Por Rafael Dhalia*
A dengue, uma doença viral transmitida pelos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus, continua sendo uma das principais preocupações de saúde pública nas regiões tropicais. Com quatro sorotipos distintos (DEN1, DEN2, DEN3 e DEN4), a doença causa alta morbidade e mortalidade em áreas endêmicas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 390 milhões de infecções por dengue ocorrem anualmente em todo o mundo.
Desde o primeiro registro da doença no Brasil, em 1981, os casos de dengue têm aumentado significativamente. Dados recentes do Ministério da Saúde indicam que, em 2024, o país enfrentou mais de 10 milhões de casos prováveis e registrou 5.922 óbitos confirmados pela doença, um aumento expressivo em comparação a anos anteriores.
Diversos fatores contribuem para o aumento dos casos no Brasil: 1. Crescimento Urbano Desordenado: A falta de infraestrutura adequada para o controle de vetores nos centros urbanos favorece a disseminação da doença; 2. Mudanças Climáticas: O aumento das temperaturas e variações nos padrões de chuva criam condições propícias para a proliferação dos mosquitos; 3. Armazenamento de Água: Em regiões com acesso limitado a água potável, a prática de armazenar água em casa proporciona criadouros para os mosquitos; 4. Circulação Concomitante de Sorotipos: A circulação simultânea dos quatro sorotipos do vírus aumenta a vulnerabilidade da população.
A relevância global da dengue e seu impacto na saúde pública têm tornado o desenvolvimento de vacinas eficazes uma prioridade científica e médica nas últimas décadas. Em um avanço promissor, o Instituto Butantan finalizou o desenvolvimento da vacina Butantan-DV contra a dengue e submeteu o pedido de licenciamento à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em 2024. Esta conquista representa um passo significativo na luta contra a doença, ampliando as opções de imunização.
A vacina Butantan-DV traz uma vantagem crucial: seu esquema vacinal de dose única pode ser administrado tanto a indivíduos que já foram expostos ao vírus da dengue quanto àqueles que nunca contraíram a doença. Esta característica pode facilitar a adesão ao Programa Nacional de Imunização (PNI) e aumentar a cobertura vacinal. O Instituto Butantan já está preparado para produzir e entregar 100 milhões de doses ao PNI nos próximos três anos, prometendo um impacto significativo na saúde pública.
A primeira vacina licenciada contra a dengue em 2015, a Dengvaxia®, desenvolvida pela Sanofi Pasteur, apresentou limitações significativas. Embora disponível em clínicas privadas, não é recomendada para indivíduos sem exposição prévia ao vírus, dificultando sua inclusão em programas de vacinação em massa. Em 2023, a Takeda licenciou a vacina QDenga®, aprovada pela ANVISA e incluída no PNI.
A QDenga® é apropriada tanto para pessoas previamente expostas ao vírus quanto para aquelas que nunca tiveram a doença, mas requer duas doses, com um intervalo de 90 dias entre elas. A limitação na sua produção, e entrega, restringiu sua distribuição no PNI para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, além das regiões com maior incidência da dengue.
Com a introdução da Butantan-DV, espera-se superar essas barreiras logísticas e ampliar significativamente a imunização contra a dengue no Brasil e no mundo, marcando um avanço crucial na prevenção dessa doença, que, segundo a OMS, está entre as dez maiores ameaças à saúde pública.
*Rafael Dhalia, pesquisador da Fiocruz e membro da Academia Pernambucana de Ciências