Carlos Nobre, uma das maiores autoridades científicas do Brasil na área climática, afirmou há pouco que a intensificação do desmatamento e da crise climática no país, com incêndios e queimadas, sobretudo na Amazônia e no Pantanal, colocam os dois biomas em uma rota de destruição, que é potencialmente irreversível. Em entrevista ao jornal Estadão, há uma semana, o climatologista foi franco: se as mudanças climáticas e a destruição ambiental seguirem desenfreadas, o Brasil pode assistir ao desaparecimento do Pantanal e à perda de metade da Amazônia nas próximas décadas. Diante disso, sou levado a concluir que o Brasil é um país antiecológico.
Digo-o como professor universitário da disciplina Meio Ambiente e Sociedade, que criei na UFPE (2004), e como membro da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE), que presidi em 2018-2020. A forma como o meio ambiente é entendido e usado no Brasil corrobora minha constatação. Ao invés de considerá-lo como fonte derradeira e insubstituível de vida, que sem dúvida é, a sociedade brasileira só o percebe como fonte inesgotável de recursos para máxima exploração.
Paulo Prado, no clássico Retrato do Brasil (1931), diagnostica o problema, atribuindo o espírito antiecológico nacional às origens do país, com seu afã de “cobiça insaciável, na loucura do enriquecimento rápido”. Sérgio Buarque, em Raízes do Brasil (1935), fala da personalidade antiecológica brasileira, caracterizada pela ânsia de prosperidade a todo custo na “busca oca de títulos honoríficos, de posições e riqueza fáceis”. Em Nordeste (1937), Gilberto Freyre confirma a percepção de Prado e Sérgio Buarque. Um dado atual a reafirma: do total da Mata Atlântica original, resta apenas uma fração de 7%. Sem que, a despeito disso, se pare a insana destruição do inigualável bioma dessa floresta. Um exemplo é a ameaça atual de desmatamento para a construção da Escola de Sargentos na área do Grande Recife de preservação de Aldeia-Beberibe.
O espírito sem compromisso com a saúde dos ecossistemas regionais delirou com a construção de uma refinaria de petróleo em Pernambuco, como se isso fosse a coisa mais inofensiva do mundo. Ora, o aquecimento global – demonstrado cabalmente pela ONU como fenômeno antropogênico – impõe que se reduza no mundo a emissão de CO2, gás que a queima do petróleo libera abundantemente.
Como é que se justifica hoje um projeto que contribui para mais queima desse gás, como o da exploração da margem equatorial da foz do Amazonas, na mira da presidente da Petrobras? Não faz sentido promover mais extração de petróleo num planeta em chamas. Que essa visão é um traço nacional se percebe no fato de que a admirável legislação brasileira de proteção ambiental tenha sofrido do que se chamou “passar a boiada” (governo Bolsonaro).
Ações no Congresso Nacional, há tempo, foram realizadas com o objetivo de aprovar novo Código Ambiental, revogando leis como a que criou a Política Nacional do Meio Ambiente, ou partes de leis como a de Crimes Ambientais e a do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, entre outros dispositivos. Em 2008, Marina Silva saiu do ministério do Meio Ambiente por se opor à construção da desastrosa usina hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu, obra imposta pela então ministra Dilma Rousseff. Em face de situações assim, a sociedade tem se omitido. Felizmente, ainda há grupos que estão se mobilizando para impedir que o antiecologismo prevaleça. É o caso da reação à Escola de Sargentos. Só haverá futuro sustentável se reações assim alcançarem seus propósitos.
Clóvis Cavalcanti, membro da Academia Pernambucana de Ciências, Pesquisador Emérito da Fundação Joaquim Nabuco, aposentado; Professor da UFPE, aposentado, Presidente de Honra da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (EcoEco)