Percebido com desdém pela intelectualidade que o quis reduzir a todo custo à subclasse de ídolo kitsch, sinônimo de cafona e superficial, tendo sido em uma linha mais acessível o entretenimento que criou, não há dúvidas de que Sílvio Santos venceu e marcou época, ao tempo em que, na morte, talvez não encontre sucessão à altura.
Refletir sobre a longeva carreira do maior comunicador de todos os tempos do País, presente nos lares brasileiros há mais de seis décadas aos domingos, vai além de gostar ou não dos produtos que ele idealizou ou mesmo copiou de fora.
A perda de Sílvio, ainda sob processamento, deixa na orfandade o Brasil que quer e insiste no direito de ser feliz. Sua figura transcendeu o mundo da “fábrica de sonhos e ilusões” que é o ambiente televisivo, e se confundiu com a de um ente querido, a visitar sempre nos domingos, trazendo alegria em meio a uma realidade desigual. Sílvio não foi um anestésico e sim um antidepressivo. Não à toa, por mero empecilho legal, não se tornou Presidente da República.
Sílvio Santos foi perseverança. Atreveu-se a caminhar com as próprias pernas em um mercado dominado por uma elite que o afastava. Enfrentou e venceu dificuldades, crises, até um sequestro. Desenhou um padrão de interatividade único, colocando a audiência como parte efetiva das atrações que comandou no seu SBT. Nada o separava das pessoas. A identificação sem atravessadores sempre foi imediata entre o comunicador e as “colegas de trabalho”, via de regra o público feminino. Por isso funcionou, nunca saiu de moda ou caiu na armadilha da obsolescência.
Dizem os críticos que Sílvio Santos nunca renovou coisa alguma, mas foi useiro e vezeiro em replicar fórmulas alheias. Que, de uns tempos para cá, se perdeu um pouco em gafes. Que implantou o jornalismo policial como espetáculo e o sensacionalismo como chamariz. Que abrigou em seu casting figuras polêmicas.
Que adulou e paparicou os generais-ditadores de 64 e seguintes para obter a primeira concessão televisiva.
Ninguém, é fato, agrada a todos o tempo todo. Nem Cristo, nem Buda, nem seja lá quem for. Sílvio Santos não é exceção. O ponto sobre ele é que não se trata de um ser infalível, perfeito, intocável, quase mítico. Trata-se de um sujeito de origem simples que virou camelô que deu certo porque acreditou em si e na sua lábia e poder de convencimento. O legado de um personagem desses não está
tanto no conteúdo, no conjunto da obra, mas em não desistir, em seguir sempre em frente, e, nas quedas, levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.
Ao fim e ao cabo, cuida-se de saber se comunicar, o que pode trazer oportunidades, previne conflitos e cultiva a ferramenta de sobrevivência que é a inteligência emocional. Comunicar-se com eficiência permite formar e manter uma equipe coesa e bem entrosada. Não deixa ainda de ser uma estratégia de liderança.
Em épocas de profunda divisão ideológica como aquela que é enfrentada já há alguns anos não apenas no Brasil, como no mundo, a partir da confiança por vezes cega depositada nas redes sociais da internet, a alimentar discursos de ódio e a disseminação do pernicioso fenômeno das fake news, comunicar-se
com honestidade e objetividade é, estreme de dúvidas, uma arte, quase um superpoder. Sílvio Santos sabia se comunicar e compreendia que ser um bom comunicador é mais que apenas transmitir informações, atingindo a habilidade de estabelecer conexões profundas com outros, que se convolam em colaboradores.
Sílvio Santos, queiram ou não seus críticos, parte para a eternidade deixando escrita no plano terreno – e inapagável – uma história de superação, de autoconfiança e de ousadia que já se tornou até tese de doutorado. Não é pouco o que ele fez na comunicação e nos negócios, assim como Walt Disney com suas animações. Nem é equivocada a percepção de idolatria que esta narrativa sedimentou.
Disse bem Roy T. Bennett: “O maior problema com a comunicação é que nós não ouvimos para entender. Ouvimos para responder. Quando ouvimos com curiosidade, não ouvimos com a intenção de responder, ouvimos o que está por trás das palavras”. Sílvio Santos, definitivamente, foi além das palavras. Que descanse em paz.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado