Por João Carlos Paes Mendonça
Muito se fala sobre as relações entre governo e setor privado. Entre políticos e empresários. Entre bancadas e segmentos econômicos. As relações, boas ou ruins, são necessárias na dinâmica de qualquer País. Nem o Estado faz tudo só, nem o setor produtivo caminha se não tiver um Governo conectado com as demandas do momento.
Na última semana, o falecimento do ex-ministro e economista Delfim Netto me fez lembrar do tempo da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), do Conselho Monetário Nacional, e da convivência com ele quando esteve à frente do Ministério da Fazenda (1967 – 1974), da Agricultura (1979) e do Planejamento (1979 – 1985).
Hoje, é quase impossível imaginar o Brasil - e os brasileiros - sobrevivendo com índices inflacionários que oscilavam entre 20% e 80% ao ano, como no caso das décadas de 1960 e 1970, índices impensáveis hoje, mas ainda tímidos para hiperinflação daquela década seguinte. Desequilíbrio das contas públicas, estouro da dívida e descompasso entre a oferta e demanda de produtos eram a tônica do período.
Com esse cenário, e uma economia na época ainda distante da globalização, a interferência governamental sobre a vida das pessoas era imensa - em todos os sentidos. Foi nesse contexto que me relacionei com Delfim Netto, economista firme nas suas posições e determinado a realizar aquilo que acreditava ser o melhor. Estando à frente da Abras, posso dizer que a relação entre o Governo e o setor era crucial para ambos os lados.
Minha relação com Delfim seguia esse rito: firme, necessária, correta, sincera e, acima de tudo, respeitosa. Sim, tínhamos uma relação sincera e respeitosa. Expressar a opinião era fundamental numa época em que as associações eram mais fortes e enfrentavam as políticas públicas na busca pela sobrevivência das empresas. Nos reuníamos em Brasília para discutir a viabilidade das iniciativas e demonstrar, vez por outra, as insatisfações, os riscos e os efeitos colaterais.
O Governo, por sua vez, gastava energia mantendo inciativas como a COBAL (Companhia Brasileira de Alimentos, criada em 1962 e extinta em 1990) – cuja rede de varejo, com sortimento reduzido, operava nas periferias. Isso tudo sem expertise suficiente, afinal, essa não era a atividade do Governo. Em nossos encontros, nos comprometemos com Delfim Netto – que, a despeito da fama de inflexível, sabia ouvir e negociar – a criar redes com sortimento limitado para atender de forma competente a população. Poucos sabem, mas desse desafio surgiram redes Balaio, Minibox, Pague Pouco, Aldi, entre outros nomes, nas periferias do País.
Foram anos de muitos desafios e batalhas. Colocar à mesa para discutir e encontrar caminhos viáveis com indústria, produção agrícola, distribuição, redes de supermercados e, acima de tudo, para a população - que verdadeiramente “pagava a conta” das oscilações de preço - era uma matemática difícil. Presidi a Abras por 10 anos (1977 – 1987), e nossos embates terminaram por ele me indicando para o Conselho Monetário Nacional (CMN), em 1984.
A preocupação do ministro Delfim com o abastecimento era tão grande que ele chegava a discutir até o preço do feijão. Nós, supermercadistas, ficávamos no meio entre a produção e o consumidor. Mas sobrevivemos e convivemos respeitosamente.
Tanto que Delfim, mesmo em meio a tantas agendas, em consideração ao meu pedido, veio participar da Convenção da Abras no Recife, assim como, em outro momento, de um evento em homenagem aos contribuintes de Pernambuco, realizada pelo Jornal do Commercio, junto com o também falecido e então secretário da Fazenda Eduardo Campos.
Penso que isso foi possível porque navegávamos no campo das discussões em prol da sociedade. Ao contrário do que foi cristalizado ao longo de décadas, Delfim Netto era sensível aos problemas da população.