Ficou pronto o livro da designer pernambucana Gisela Abad que decidiu examinar um século de documentos com registros de marcas na Junta Comercial de Pernambuco. Depois, que selecionou o período que vai de 1886 a 1996 que analisou a presença como elemento de ancoragem da figura do Leão do Norte em empresas pernambucanas cuja referência vem desde o brasão do primeiro donatário da capitania doada a Duarte Coelho.
A expressão “Leão do Norte”, aliás, um animal – estranho à fauna brasileira – está em brasões do Estado e do Recife, na bandeira da capital pernambucana, em escudo de time de futebol, nos estandartes dos maracatus.
E ficou mais relacionada a Pernambuco com a música “Sou de Pernambuco”, de Raul Moraes, frevo do bloco da década de 1930. E também há o exemplo mais recente, “Leão do Norte”, de Lenine (1993).
Marca, brasão e imagem
Mas o que pouca gente lembra é que ao longo da história, de tantas revoluções libertárias, Pernambuco passou a ser representado por um leão, e terminou ficando conhecido como o “Leão do Norte”, símbolo de bravura de sua gente que também foi usado como marca de centenas de empresas. O “Leão do Norte” também aparece para designar empresas e produtos, principalmente nos séculos XVIII e XIX.
Essa presença foi o que a designer pernambucana Gisela Abad identificou ao examinar um século de documentos com registros de marcas na Junta Comercial de Pernambuco.
Ela selecionou o período que vai de 1886 a 1996 para a pesquisa que rendeu o livro “Um Leão na Paisagem”, que será lançado a partir das 13h do dia 31 de agosto, no Museu da Cidade do Recife, no Forte das Cinco Pontas.
Abad mergulhou no período holandês, marcado pela insubordinação do militar de José Barros de Lima (o Leão Coroado, da Revolução de 1817), até chegar à presença do símbolo do leão em produtos e marcas do passado. Ele despertou a atenção de Gisela ainda em 2004, quando ela foi convidada pela Fundação Gilberto Freyre para criar a identidade visual do processo de digitalização, o que a fez se debruçar sobre os cem anos de acervo da Jucepe.
O resultado virou trabalho acadêmico dissertação de mestrado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, agora transformado em livro, com incentivo da Lei Paulo Gustavo, via Prefeitura do Recife. Cuja pergunta foi entre os nomes de animais que marcam empresas e produtos porque o “Leão do Norte” é predominante. Afinal, que leão é esse? E por que ele passou a fazer parte do mundo comercial e industrial do estado, no registro oficial de marcas entre 1886 e 1926?
Identidade com Pernmabuco
Uma das hipóteses apontadas para a presença do animal tem a ver com a lusofobia registrada no século XIX, quando “a emergente classe média urbana, em crescente número, encontrava-se excluída do mercado de trabalho, predominantemente ocupado por portugueses”.
Diante de tal situação, usar o “Leão do Norte” foi uma forma de buscar identidade dos produtos, junto aos consumidores pernambucanos. “Alguns comerciantes e industriais procuravam contornar a hostilidade adotando nomes para seus negócios, que refletiam identidades regionais ou nacionais, atribuindo ao Leão do Norte, uma nova característica, a de vendedor”, diz a autora.
A autora apresenta as origens diferenciadas do “Leão do Norte” na heráldica e na semiótica (estudo dos significados), construindo um “percurso instigante e revelador” da cultura de Pernambuco, que “ecoa o refrão sou... Leão do Norte”.
A pesquisadora, palestrante e designer brasileira, doutora em comunicação e semiótica , Lucy Niemeyer que também estudou o tema destaca a presença do “Leão do Norte” em marcas e produtos estão associadas ao contexto histórico de cada época.
O curioso, no entanto, é que o bravo animal vai mudando de postura, à medida que é utilizado para identificar indústrias, lojas, produtos, segundo constata Gisela, ao analisar rótulos e marcas inspirados no “Leão do Norte”
Abad conclui: “Um vendedor dos melhores produtos e serviços que se possa experimentar não cabe no signo que tenha por objeto dinâmico um leão guerreiro agressivo, de resistência, insurreto. Portanto, na semiose das marcas comerciais, o leão foi visto transfigurado em um signo de amigo, cordato”.
Ainda segundo ela, em algumas situações, no entanto, “sustenta a estirpe soberana de rei dos animais, característica que convinha ser conferida também aos produtos”. Por fim, “se apresenta domesticado e adestrado, desvinculando-se da imagem da heráldica, do conceito de leão insurreto e, portanto, com um novo signo”.
Leão virou gatinho comercial
O “Leão do Norte”, assim, vira quase um “gatinho” em algumas situações. Passa a ser marca de refinaria, fábrica de cadeiras, cigarros, padaria e bolachas. E sua figura aparece até mesmo em lojas que não ostentam seu nome na marca, como a “Louvre”, de confecções sofisticadas.
Gisela é designer, sócia fundadora da 2AbadDesign tem uma carreira de sucesso e criou uma infinidade de identidades visuais. Também fez projeto gráfico de mais de 170 livros, dois dos quais produzidos sob sua coordenação (“Eu, Capibaribe” e “Olinda, linda”).
Mas “Um Leão na Paisagem” é o primeiro livro em que aparece como autora. E o faz não só com o olhar da profissão que escolheu, mas sobretudo com o cuidado e a precisão tão comum a historiadores profissionais.
No evento de lançamento dia 31, também será inaugurada exposição sobre o tema. Que contará com cardápio do Chef César Santos, docinhos de Ana Corina e lançamento de 83 garrafas de cachaça envelhecida Triumpho. Os três produtos serão comercializados no evento.
Já os 500 exemplares do livro não serão vendidos. Uma parte será distribuída gratuitamente no dia do lançamento. Outra será para instituições educativas, bibliotecas, Rede Compaz.