Pernambuco é o quinto Estado do Brasil com mais pessoas vivendo em áreas de risco de deslizamentos e enxurradas. É o que aponta estudo do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), alertando que em função das mudanças climáticas, a probabilidade de eventos mais extremos não pode ser ignorada.
Na Região Metropolitana do Recife (RMR), a capital pernambucana é a quinta cidade mais impactada pelas enchentes e deslizamentos de barreiras, em número de pessoas no País. São 207 mil pessoas vivendo em área de risco, o que significa 13,4% da população. Em Jaboatão dos Guararapes, a situação é proporcionalmente pior, já que quase um terço da população vive em área de risco (29,2%), totalizando 188 mil pessoas.
Após as fortes chuvas de maio de 2022 em Pernambuco, que deixou mais de 133 mortos e 130 mil pessoas impactadas, é preciso conhecer os riscos para lidar com os eventos climáticos.
Segunda Região Metropolitana mais desigual do País, essa condição agrava os impactos das mudanças climáticas entre a população. Especialista em estudos urbanos e ambientais, Patrícia Tonelo. A pesquisadora destaca como a precariedade das condições de vida em áreas vulneráveis, como bordas de rios, áreas alagadiças e encostas de morros, contribui para a intensificação dos problemas climáticos e das tragédias urbanas na região.
"A desigualdade está incrustada no tecido espacial da cidade. Ela se manifesta em diversas regiões, bairros e comunidades, acentuando-se com fatores climáticos. As populações dessas áreas são obrigadas a viver em locais com condições precárias e, com as mudanças climáticas, esses problemas só se agravam", observa.
Patrícia menciona o exemplo da tragédia no Jardim Monte Verde, onde chuvas intensas causaram deslizamentos que resultaram em mortes. Segundo a pesquisadora, a quantidade de vítimas foi exacerbada não apenas pelas condições geográficas, mas principalmente pela precariedade e ocupação irregular das áreas afetadas. "Essas pessoas não estão ali por escolha própria, mas porque foi a única opção que restou", afirma.
Um problema de natureza da metropolização e que causa preocupação é a confusão administrativa entre os limites dos municípios, como ocorre no próprio Jardim Monte Verde, que fica na divisa entre Recife e Jaboatão dos Guararapes. "Essa conurbação cria áreas sensíveis de abandono público, onde a responsabilidade é constantemente transferida de um município para outro", explica Patrícia, ressaltando a necessidade de uma abordagem metropolitana integrada para a gestão urbana.
A pesquisadora destaca o papel do Estatuto da Metrópole, implementado em 2015, para incentivar uma gestão urbana integrada entre os municípios, mas lamenta a lentidão na aplicação das medidas previstas. "A legislação existe, mas a implementação é muito lenta, dependendo do interesse político de cada gestão", sugere.
Patrícia reconhece a complexidade de gerir uma cidade do porte do Recife, onde a desigualdade se manifesta de forma gritante, mas criticou a justificativa histórica para a persistência dessas desigualdades e defendeu a necessidade de romper com essas explicações. "Recife é uma cidade latina, periférica, desigual e estratificada, mas já é tempo de as cidades latinas pararem de se justificar em cima de problemas históricos e buscarem alternativas para superar essas barreiras", critica ela, que é rquiteta e urbanista, doutoranda no programa de Pós-Graduação de em Desenvolvimento Urbano (MDU) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisadora do Observatório das Metrópoles (Núcleo Recife).
Diferente de outros momentos em que as mudanças climáticas pareciam uma realidade distante, hoje elas já impactam diretamente o cotidiano da população. Patrícia diz que o discurso não é mais sobre "elas estão chegando", mas sim sobre "elas já estão aqui". "Precisamos trabalhar para que as cidades se fortifiquem e consigam, a cada evento, minimizar os prejuízos financeiros, materiais e humanos", orienta.
Um discurso que vem se propagando sobre as mudanças climáticas é o da resiliência, mas a pesquisadora defende que é incoerente exigir isso das populações periféricas. "Como exigir que uma comunidade seja resiliente se ela não tem acesso a serviços básicos, como saneamento, água potável e moradia adequada?", questiona.