Imagine um médico realizando uma cirurgia em um paciente com a saúde em estado delicado. Durante o procedimento, esse médico precisa utilizar diversos instrumentos para garantir o sucesso da operação. Esse sucesso significa assegurar que o paciente saia curado e sem sequelas. Agora, imagine que, ao concluir o procedimento, o médico descobre que não tem o fio adequado para realizar a sutura e é forçado a usar outro qualquer, colocando o paciente em risco de vida. Uma situação complicada para o médico e, ainda mais, para o paciente, não é?
Em nosso sistema jurídico, analogamente, podemos dizer que prerrogativas da advocacia são como os instrumentos médico-cirúrgicos e que, a falta deles, levam a vulneração do direito de defesa dos cidadãos e da própria democracia. Essas prerrogativas incluem, por exemplo, o direito de acesso aos autos de processos, o direito de comunicar-se com seus clientes de forma reservada e o direito de atuar sem impedimentos indevidos. São ferramentas que permitem ao advogado defender os interesses de seus clientes de maneira justa e eficaz, garantindo o equilíbrio e a justiça no sistema jurídico.
Estas ferramentas têm sido tema de intensos debates, especialmente no momento em que se discute amplamente a garantia de direitos e a justiça para todas as pessoas. É preciso destacar, no entanto, que as prerrogativas da advocacia não são privilégios, mas direitos indispensáveis ao exercício pleno da profissão e, consequentemente, à defesa do Estado Democrático de Direito. É inimaginável, por exemplo, que, após 30 anos da vigência da Lei 8.906/94, advogados e advogadas em todo o Brasil ainda tenham suas conversas relacionadas à defesa de seus clientes interceptadas, em clara violação às “regras do jogo”.
De igual modo, também é inimaginável de se conceber que, após 36 anos da Constituição Cidadã, que outorgou à advocacia o status de múnus público, autoridades das mais variadas insistam em descumprir o dever de urbanidade e respeito recíproco, que deve permear toda e qualquer relação humana e, ainda mais, entre atores do sistema de justiça. Atenta a tudo que obste o pleno e livre exercício profissional da advocacia pernambucana, a OAB-PE vem adotando uma série de medidas através da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas para garantir a atuação livre e desimpedida da advocacia. Ao longo desses dois anos e seis meses, a CDAP da OAB-PE realizou mais de mil atendimentos a advogados e advogadas que necessitaram da assistência da instituição em várias frentes de atuação.
Foram quase 300 atendimentos em plantão, mais de 100 acompanhamentos de processos judiciais, 53 acompanhamentos em delegacias de polícia, 35 assistências em processos judiciais ou administrativos, 28 participações em audiências, 9 medidas correcionais adotadas, além de 6 habeas corpus e 8 mandados de segurança impetrados.
Além disso, o Estatuto da Advocacia prevê a possibilidade de o advogado ser publicamente desagravado quando ofendido no exercício da função ou em razão dela. O ato de desagravo tem por objetivo restaurar a dignidade do advogado ou advogada que teve suas prerrogativas violadas, em geral, no mesmo local que ele foi ofendido.
Nessa gestão foram realizados seis desagravos, com outros já aprovados e por serem realizados até o final do ano. Repita-se: o desagravo é um ato em favor do advogado ou advogada e de sua dignidade, e não efetivamente contra a autoridade violadora. Contra esta recairá representações correcionais e criminais e, sobretudo, a sua inscrição no cadastro nacional de violadores de prerrogativas, que impede o ofensor de, mesmo após aposentadoria, ingressar nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.
Defender prerrogativas da advocacia é, acima de tudo, defender a justiça e a cidadania. Sem as garantias necessárias para uma atuação livre, a defesa dos direitos dos cidadãos e o funcionamento do sistema judicial ficam comprometidos como um todo. Quando advogados e advogadas são impedidos de exercer suas funções com independência e segurança, a sociedade inteira paga o preço. As prerrogativas da advocacia não são privilégios, mas pilares essenciais de um Estado Democrático de Direito. Proteger esses pilares é garantir que a justiça seja acessível, imparcial e efetiva para todos e todas, preservando assim os valores fundamentais da democracia.
Fernando Ribeiro Lins, presidente da OAB-PE, e
Yuri Herculano, presidente da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas