A dinâmica política brasileira é complexa e multifacetada, especialmente em ano de eleições municipais. Em 2024, um fenômeno desponta no cenário político: o alto número de deputados federais que almejam cargos no executivo municipal. Segundo levantamento da Radar Governamental, dos 513 deputados federais, cento e um estão pré-candidatos a prefeituras de diversas cidades brasileiras. Este movimento, além de chamar a atenção, merece uma análise crítica quanto às suas implicações para a representação popular e a governança.
O fenômeno do esvaziamento do Congresso não é novo. Em 2020, sessenta e seis deputados federais se candidataram a prefeito ou vice-prefeito, um número já elevado. A recorrência em anos eleitorais e o aumento no número de postulantes evidenciam uma falha estrutural na organização do trabalho legislativo. Deputados que deveriam estar comprometidos com suas funções na Câmara dos Deputados desviam-se de suas responsabilidades para buscar novas posições de poder. Esse desvio de função compromete a eficácia do trabalho legislativo, resultando em comissões desarticuladas e pautas importantes sendo postergadas.
É notório que muitos deputados utilizam sua candidatura a prefeito como uma tática para aumentar sua visibilidade e fortalecer sua imagem política. Este comportamento pode ser interpretado pela teoria do ciclo político, em que os parlamentares buscam manter-se relevantes na memória dos eleitores, mesmo que não tenham a real intenção de vencer a disputa municipal. A busca por cargos executivos pode ser vista como uma tentativa de capitalizar popularidade e influência política em âmbito local. Essa prática, embora legítima dentro do jogo político, levanta questões éticas sobre o comprometimento dos deputados com seus mandatos e a verdadeira motivação por trás de suas candidaturas.
Ainda de acordo com a citada teoria, os atores políticos almejam posições em que possam exercer maior controle sobre recursos e políticas públicas. Prefeituras, com orçamento e capacidade de implementação direta de programas, tornam-se atrativas para aqueles que desejam consolidar seu poder e ampliar sua base de apoio.
Nesta semana, tem início o recesso parlamentar e é de se esperar, a partir do segundo semestre, uma redução significativa da produção legislativa. Estamos em meio à votação de pautas importantes dentro da reforma tributária e há dúvidas sobre quais matérias ainda serão pautadas nas casas legislativas frente ao cenário eleitoral. Vale lembrar que as assembleias legislativas também são impactadas pelas eleições municipais, seja pela ausência dos parlamentares que irão se dedicar às suas candidaturas, seja pelo esforço concentrado dos deputados em reforçar suas bases nos municípios.
Eleições são fenômenos intrínsecos a qualquer contexto democrático e não há a pretensão de que legisladores estejam alheios aos processos políticos vigentes. Ademais, como o calendário eleitoral é previsível, é possível organizar a pauta e evitar que matérias importantes deixem de ser apreciadas. O papel do eleitor é estar atento à forma como essas movimentações ocorrem e quais são as prioridades estabelecidas pelos políticos. Quando há clareza de interesses e transparência, a democracia prevalece.
Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista e professor da FCAP-UPE.