As famílias das vítimas dos aplicativos de transporte com motos começam a fazer coro no País e algumas têm gritado suas dores. A vulnerabilidade da motocicleta como transporte, principalmente de passageiros, é o principal ponto questionado. Em seguida, a ausência de regras das plataformas para o cadastro dos motoqueiros, atraindo condutores inaptos e imprudentes.
Denúncias não faltam. A família da gerente de loja Fernanda Gabriela Lira, morta de forma muito violenta quando estava como passageira de um app com motos, no dia 19/6, na BR-101, bairro do Ibura, no Recife, faz várias. Todas questionando a imprudência do motoqueiro e a falta de rigidez no cadastro dos profissionais.
“Infelizmente, a vítima foi minha cunhada, que morreu de uma forma extremamente violenta, por imprudência de um motoqueiro. A morte dela mostra que, de fato, a situação está completamente fora de controle. As plataformas precisam ter mais critérios para permitir o cadastro dos motoqueiros. Hoje, não há nenhum”, afirma Ivanilson Leite de Oliveira, cunhado de Fernanda Lira.
Além da perda da cunhada e de estar assistindo ao irmão - marido de Fernanda Lira - quase enlouquecer com a perda da mulher e da vida que planejavam construir juntos -, Ivanilson fala com propriedade porque já foi condutor de aplicativo de moto.
“Não há regras para nada e sabemos que muitos estão, inclusive, alugando perfis para rodar. Estão fazendo a sublocação do cadastro. Alguns motoqueiros estão rodando com a CNH provisória, o que é um risco, todo mundo sabe. É muito fácil se cadastrar. Não pedem ano de moto, modelo e até o EAR. Só visam a entrada do dinheiro, não pensam na vida de ninguém”, reforça. EAR é a sigla para “Exerce Atividade Remunerada”, uma validação que só é conferida quando o condutor tem 21 anos completos e está habilitado.
“No caso da minha cunhada, por exemplo, o motoqueiro foi imprudente. Testemunhas disseram que ele entrou no meio da carreta e do caminhão baú, depois se desequilibrou e bateu com o guidom no baú. Até podia ter experiência, porque pulou e só teve um arranhão, mas foi imprudente. A pessoa não entra no meio de carretas, em uma BR, sem querer. Nunca. E minha cunhada que perdeu a vida”, lamenta.
A família de Fernanda garante que tudo será levado à Polícia Civil, que terá que investigar o caso, e que também pretende acionar judicialmente a plataforma do aplicativo de motos, que não teria prestado nenhum tipo de ajuda até agora. As plataformas Uber e 99 Motos foram procuradas pela reportagem para explicar os critérios de segurança exigidos para o cadastro de motoqueiros parceiros. A 99 sequer retornou e a Uber repassou links que não esclareceram os questionamentos.
A falta de critério para o cadastro dos futuros motoqueiros-parceiros é facilmente constatada nos próprios sites e canais oficiais das plataformas. Até mesmo o uso de capacetes pelos passageiros é relativizado por algumas empresas, que chegam a informar no site ser apenas ‘recomendado’ que o passageiro use o capacete, mas que o condutor não é obrigado a disponibilizá-lo.
Confira o que consta no site da plataforma 99: “Atenção! O capacete é obrigatório por lei.
Sendo assim, motociclistas parceiros (as) e passageiros (as) devem usá-lo em todas as corridas, mantendo a viseira fechada. Vale lembrar que os motociclistas parceiros (as) não são obrigados a fornecer o capacete. Por isso, disponibilizar o item é uma questão opcional. Sendo assim, caso o passageiro e o motociclista parceiro (a) não possuam o capacete, a corrida pode ser cancelada sem penalidades”.
Embora as motocicletas sejam veículos vulneráveis e mortais quando conduzidos com imprudência - para quem não recorda, as motos respondem por mais de 50% das mortes e mutilações no trânsito brasileiro -, os aplicativos de transporte minimizam as exigências para o cadastro dos condutores.
Exatamente para permitir que todo tipo de motoqueiro, mesmo sem a habilidade e o respeito às regras de trânsito, possam virar parceiros.
Confira a série de reportagens UBER MOTO: perigo sobre duas rodas
A ausência de exigências mínimas é ainda mais evidente na empresa 99. A plataforma Uber é um pouco melhor e exige, ao menos, a observação EAR na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
EAR é a sigla para “Exerce Atividade Remunerada”, uma validação que só é conferida quando o condutor tem 21 anos completos e está habilitado, no mínimo, há dois anos na categoria A. Também precisa ter aprovação em curso especializado de motofrete e/ou mototáxi.
No caso da Uber, as exigências para ser um motoqueiro-parceiro são:
Ter CNH de categoria “A”;
Ter a observação EAR na Carteira de Habilitação;
Ter 18 ou mais anos de idade;
Ter os documentos de licenciamento da moto;
Ser cadastrado no app;
No caso da plataforma 99, os critérios são ainda mais flexíveis, com exceção da idade mínima para realizar a atividade, que é de 19 anos:
Ter mais de 19 anos;
CRLV da moto;
CNH Definitiva na categoria A ou AB;
A CNH não precisa ter EAR.
Quando o recorte são as exigências relativas às condições e idade das motocicletas, o cenário é ainda pior. Enquanto que, no caso dos automóveis, os aplicativos têm idade máxima para aceitar o cadastro na plataforma, no serviço como Uber e 99 Moto isso não é levado em consideração.
Nenhuma das duas empresas impõem idade ou modelo para as motos. No máximo, vetam o uso de alguns tipos totalmente inadequados para o serviço de transporte de passageiros.
As únicas exigências impostas são o uso de veículos de aluguel, ou seja, motos com placa vermelha - apenas as particulares são permitidas. E não são autorizados veículos tipo lotação "01P", que não aceitam transporte de passageiros.
“Não há restrição de idade para o veículo”, afirma a 99 em seu site.