A nova edição do Atlas da Violência mergulha nas estatísticas da guerra civil brasileira – a que mata 62 jovens por dia, muitos praticamente adolescentes, e outros, mal saídos da adolescência, com toda uma vida pela frente, até que uma bala interrompesse o caminho. Em 11 anos, de 2012 a 2022, de acordo com a pesquisa do IPEA e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram assassinados mais de 321 mil jovens, o que resultou em pouco mais de 15 milhões de anos potenciais de vida perdida, número que estima o que se deixa de viver com a morte precoce, diante da expectativa de vida de 70 anos. Em comparação, nos dois primeiros anos da Covid no país, nas mais de 600 mil mortes causadas pela pandemia, a perda acumulada estimada foi de quase 14 milhões de anos potenciais de vida, em estudo publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva.
Mais de um terço dos jovens mortos no Brasil em 2022 foram vítimas de homicídios. A maioria, sem surpresa, de homens negros. Vitimados duplamente: primeiro, pela condição de vulnerabilidade social que vem de uma história longa de privações e discriminações, de geração a geração. E depois, pela violência que aprisiona os vulneráveis numa teia de difícil escape. Para uma das coordenadoras do Atlas da Violência, Samira Bueno, o rumo de vidas perdidas é traçado desde o abandono escolar, continua na falta de oportunidades de trabalho, culminando no aliciamento pelo crime organizado, que transforma a juventude em exército descartável.
Para se ter uma ideia do que está acontecendo no país, a taxa média nacional de homicídios de quase 22 assassinatos para cada 10 mil habitantes – que já é considerada alta – pula para quase quatro vezes mais, perto de 87 para cada 100 mil, quando considerados os homens de 15 a 29 anos de idade. Duas confirmações do Atlas trazem à tona a realidade violenta em Pernambuco. A primeira é a interiorização do narcotráfico, que migra das capitais para cidades vizinhas e do interior, com as facções criminosas avançando sobre o Centro-Oeste e a região Norte, ampliando o mercado de distribuição das drogas. E a segunda constatação é a alta de homicídios de jovens no Norte e no Nordeste, puxada pelas gangues do tráfico.
A violência pode ser evitada, poupando a juventude e permitindo o desabrochar de vidas plenas, através de políticas públicas eficazes, na ótica de Samira Bueno. Na trilha apontada, o início da prevenção precisa passar pela educação, oferecendo ambientes imunes ao assédio do crime, ao tempo em que o conhecimento adquirido e a convivência no ambiente escolar proporcionem um nível de bem-estar que abra horizontes maiores do que a tentação das gangues. Na mesma direção, o aproveitamento do estudo conquistado em oportunidades de trabalho e renda, para esses jovens, pode significar, na prática, a diferença entre a vida e a morte.