Com o Brasil na dianteira, os casos de dengue nas Américas explodiram, batendo o recorde do ano passado, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Trata-se de mais um problema que se apresenta ao contexto global pós-pandemia de Covid, quando a alta demanda por recursos, medicamentos, profissionais e vacinas mostrou que é preciso um planejamento articulado entre as nações, a fim de prevenir e minimizar os efeitos de períodos de epidemias e pandemias. O atual quadro de dengue no continente americano, por sua vez, evidencia o despreparo dos países para conter o avanço de arboviroses, doenças disseminadas por mosquitos – mas apesar de o ciclo de transmissão ser bem conhecido, populações e governos não conseguem evitar os surtos, que pressionam os sistemas de saúde.
Até o mês de abril, 7 milhões de casos foram registrados nas Américas, em comparação com 4,6 milhões em 2023. A notícia veio confirmar a observação feita em março por Jarbas Barbosa, chefe da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), para quem já se desenhava, naquele momento, a pior temporada de dengue já anotada. E nem que a vacina chegasse a ser aplicada na maioria das pessoas, a epidemia em curso teria como ser controlada, disse Barbosa. Além das internações e das mortes causadas pelo modo mais grave da enfermidade, a dengue gera sobrecarga no atendimento de saúde pública e privada, e traz consequências econômicas, como a redução da produtividade, que são importantes para países em desenvolvimento com grande parcela populacional pobre ou miserável, como o Brasil. Como, aliás, a Covid escancarou em seus piores momentos, as crises na saúde são ainda mais expressivas para as fatias mais vulneráveis das populações.
As demandas nacionais e locais, por sua vez, interferem na demanda global por ações da OMS, que relatou estar enfrentando dificuldades para pagar pessoal, devido ao aumento das crises de saúde em várias partes do planeta. Somente no ano passado, a OMS atendeu a 72 emergências, incluindo situações complexas como a da Ucrânia e a de Gaza, e um surto mundial de cólera. Num horizonte de intensificação de desastres naturais e continuidade de crises humanitárias prolongadas, provocadas pelas guerras e por governos autoritários, a OMS requer melhor estruturação, assim como os governos nacionais devem investir mais na saúde pública, a fim de evitar a necessidade de ajuda internacional.
A crise na entidade decorre de um descontrole na gestão da saúde pública, que também pode ser associado, entre outros, a fatores cada vez mais instáveis relacionados às mudanças climáticas. Temos um exemplo claro disso no Brasil, atualmente – e não é a dengue. Entre os desafios impostos ao Rio Grande do Sul, depois que as águas baixarem a níveis mínimos de normalidade, está o atendimento às demandas de saúde, geradas pelas enchentes, direta ou indiretamente: desde as doenças por contaminação da água, até os traumas psicológicos que irão conviver com os gaúchos por muito tempo.