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Do litoral ao Sertão, os efeitos das mudanças climáticas já são uma realidade em Pernambuco. Temperaturas elevadas, aridez, enchentes e alagamentos são cenários que se repetem todos os anos, diminuindo a qualidade de vida e ameaçando modos de sobrevivência. E, apesar desse não ser um desafio exclusivo do Estado, as políticas públicas vigentes ainda se mostram insuficientes para diminuir os impactos do aquecimento global localmente.
A urgência em combater o fenômeno cresce diante de prognósticos que apontam dias mais quentes e secos a partir de 2041, como mostra estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A previsão é que a temperatura no Sertão aumente até 3,7°C e, na região litorânea, a elevação suba até 2,7ºC, como no Recife, Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca. Também está prevista uma redução no volume de chuvas em até 39% na região do São Francisco e de 11% no litoral.
Mas o aquecimento global já é percebido pela Agência Pernambucana de Águas e Climas (Apac) atualmente. "Temos tido temperaturas máximas e mínimas mais altas que o normal. Quando isso ocorre, não dá tempo de resfriar. Por isso estamos sempre com essa sensação de calor e com temperaturas muito altas", explicou o meteorologista Fabiano Prestrelo.
Isso repercute na ocorrência de eventos climáticos cada vez mais repetitivos e fortes. Um exemplo são chuvas cada vez menos espaçadas temporalmente e mais intensas, como as que ocorreram entre maio e junho de 2022, deixando 134 mortos e milhares de desabrigados no Estado.
Outra reação é o aumento da desertificação. Neste ano, um estudo do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) identificou clima árido pela primeira vez no país.
Entre os municípios onde o estado atmosférico foi encontrado, estão dois de Pernambuco - Petrolina e Belém de São Francisco. Infelizmente, o problema pode se expandir para além dessas cidades. De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), 123 dos 184 municípios do Estado estão em risco de desertificação.
Enquanto isso, uma auditoria de Tribunais de Contas do Nordeste mostrou que Pernambuco não deu início à Política Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca e não executou o programa de ação previsto. Tampouco possui fundos estaduais, cadastro de áreas suscetíveis, sistemas de informações, diagnósticos ou monitoramento do fenômeno.
Entre as medidas sugeridas para implementação contra o aumento da aridez estão o reflorestamento, a fim de resfriar a temperatura do solo e conter a evaporação, a melhora no nível do tratamento de esgoto do Estado - que tem um dos piores índices de saneamento do Brasil - e o aprimoramento do uso da água.
Se essas ações não forem executadas de forma sistemática, teremos uma diminuição na cobertura vegetal e ampliação da escassez hídrica no semiárido, impossibilitando a agricultura familiar. Como consequência, pode haver uma mudança da população rural para as cidades. “É um problema porque levaria a um adensamento maior e aumento na demanda de recursos hídricos para a população”, disse.
O inchaço complicaria ainda os grandes centros - que, no caso da Região Metropolitana, cresceram de forma desordenada no século passado e não dão conta sequer de promover qualidade de vida aos que já são seus cidadãos. Só na capital, são 207 mil pessoas vivendo em área de risco, 13,4% da população, diz o Cemaden. Em Jaboatão dos Guararapes, quase um terço da população vive nessa situação (29,2%), totalizando 188 mil pessoas.
Essa parcela da população está incluída no déficit habitacional do Estado, que ultrapassa as 320 mil moradias, mostrou levantamento da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). Diante dessa crise crônica, grandes cidades necessitam de uma ampla reforma urbana, a fim de democratizar o direito à cidade, principalmente na Região Metropolitana.
Isso passa por melhorias da infraestrutura de favelas, contenção da especulação imobiliária, controle da ocupação de áreas de risco, reocupação dos centros abandonados, ampliação das políticas de mobilidade urbana, entre outras.
“Recife é uma cidade saturada, mas essa saturação nos dá margem para repensar a cidade. Precisamos fazer com que a população que habita essas áreas vulneráveis passe a ter uma infraestrutura de drenagem, saneamento básico e pavimentação, para minimizar os efeitos que deslizamentos e inundações podem causar”, exemplificou Girão.
Essas mudanças devem ser feitas a partir de um esforço conjunto dos poderes, além de demandarem um alto investimento. Mas há ações mais imediatas de urbanismo verde que podem ser adotadas para melhorar a vida nas urbes, como a abertura de mais parques, o plantio de árvores e a construção de jardins sobre lajes de prédios podem tornar as cidades menos poluídas e ajudar na proteção de plantas e animais.
Um exemplo da funcionalidade de soluções verdes foi comprovada em Curitiba. No final de outubro, a capital paranaense foi castigada por fortes chuvas e imagens Parque Barigui, um dos cartões-postais da cidade que foi severamente atingido pela enchente, ganharam ampla repercussão nas redes sociais. Contudo, a enchente era mais que esperada.
“O Barigui encheu muito porque a quantidade de chuva que caiu foi maior do que a prevista, mas ele foi feito para isso. Ele recebe a água da enchente, que depois vai embora. O parque pode até ficar alagado, mas as casas (do entorno) não ficaram", explicou a arquiteta Débora Ciociola.
Os planos diretores que regem o desenvolvimento das cidades também devem incentivar o adensamento em grandes corredores de transporte e criar possibilidade de moradia digna e mais próxima dos locais de trabalho, possibilitando a mobilidade a pé ou de bicicleta, por exemplo, significando bem-estar e redução da emissão de gases na atmosfera.
“A gente tem uma quantidade de carros aumentando cada vez mais, isso causa um problema de mobilidade, mas também de emissão de gases de efeito estufa. Quanto mais veículos, maior a poluição causada por esses veículos”, disse Prestrelo.