Com tecnologia obsoleta - sem envio de imagens em tempo real - as câmeras corporais (bodycams) começaram a ser usadas pela Polícia Militar de Pernambuco há cerca de seis meses com a promessa de trazer mais transparência e contribuir para as investigações de denúncias de violência. Mas, na prática, os poucos equipamentos adquiridos pelo governo do Estado estão sendo mal utilizados e, agora, estão na mira do Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
Com o aumento das denúncias de violência policial no município de Paulista, no Grande Recife, onde atuam os policiais militares do 17º Batalhão (únicos a utilizarem as bodycams no Estado), a 1ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da cidade solicitou os arquivos das imagens gravadas pelas câmeras corporais do efetivo. Mas teve como resposta que não há registros efetivos das operações policiais - o que, obviamente, prejudica as investigações de possíveis excessos praticados pelos militares.
Apesar de resultados positivos nos estados brasileiros em que foram adotadas e do investimento quase milionário em Pernambuco, a Secretaria de Defesa Social (SDS) sempre tratou as bodycams de forma muito obscura. Nunca houve porta-voz para esclarecer como os equipamentos funcionam no Estado, nem imagens foram apresentadas para garantir que estavam em pleno funcionamento.
Além disso, nem todas as câmeras adquiridas estão sendo usadas.
Procurada pela coluna Segurança, a assessoria do MPPE confirmou que "não foram dadas explicações sobre a falta de registro das bodycams". Disse ainda que, pelas normativas até então existentes na corporação, "não existe punição para o policial que deixa de registrar (as imagens)".
Por meio de nota, a Polícia Militar de Pernambuco afirmou que "quando as imagens requisitadas não são localizadas, uma apuração administrativa é aberta".
A corporação alegou que duas investigações estão em curso.
"Até o presente momento, estão em andamento dois PADS (Processo Administrativo Disciplinar Sumário), por imagens solicitadas pela Justiça não terem sido gravadas pelo equipamento por alguma intercorrência", informou.
Por fim, a PM confirmou que, das 187 bodycams compradas pelo governo do Estado, apenas 142 estão em pleno uso. "Todas as imagens gravadas são armazenadas por 30 dias, em equipamento adequado (Dock station) na sede do 17° BPM e, no sistema da ATI (Agência Estadual de Tecnologia da Informação) por no mínimo 120 dias."
Ainda em projeto-piloto, as bodycams também foram utilizadas durante o Carnaval, no Bairro do Recife e no Sítio Histórico de Olinda. Em coletiva, após os dias oficiais de folia, o secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho, argumentou que os equipamentos funcionaram normalmente e que as imagens seriam preservadas para futura análise em caso de eventuais denúncias de violência policial.
Diante das falhas descobertas, o MPPE recomendou aos delegados que atuam no município de Paulista que adotem, de imediato, as medidas necessárias para encaminhar adolescentes investigados como autores de ato infracional ao Instituto de Medicina Legal (IML), a fim de serem submetidos a exame de corpo de delito.
"Tal providência deve ser adotada mesmo nos casos de pronta liberação, em especial quando o adolescente relatar ter sofrido violência policial", informou o MPPE.
De acordo com a Promotora de Justiça Rafaela Vaz, o crescimento das notícias de violência praticadas por PMs 17º Batalhão ocorreu especialmente entre adolescentes que teriam sido apreendidos e ouvidos de forma informal.
"Como foram colhidos elementos indicando que não há o encaminhamento dos adolescentes para o exame de corpo de delito, a recomendação almeja assegurar a realização dos exames, de modo a garantir a coleta de elementos de prova para as investigações sobre as agressões noticiadas pelos adolescentes", ressaltou Rafaela Vaz, no texto da recomendação.
O Centro de Apoio Operacional de Defesa Social e Controle Externo da Atividade Policial do MPPE também foi notificado sobre as denúncias em Paulista e deve tomar providências em relação à atuação da PM.
A coluna solicitou à assessoria da SDS o número de denúncias de violência policial em Paulista que estão sendo investigadas pela Corregedoria, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
Em São Paulo, primeiro Estado brasileiro a adotar as bodycams (na gestão João Dória), os números demonstraram a importância da tecnologia na diminuição da violência policial.
Levantamento indicou que, entre os meses de junho de 2021 e maio do ano passado, 41 pessoas morreram em ações da PM de São Paulo. Já entre junho de 2020 e maio de 2021, foram 207 óbitos. A queda foi de cerca de 80%.