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Dez anos sem Reginaldo Rossi: vivo no imaginário, Rei do Brega segue inspirando artistas

Legado do recifense atravessa o 'orgulho de ser brega', reforçando a importância da performance e da abordagens de tabus do cotidiano

Publicada em 20/12/2023 às 09:38h - 48 visualizações

por Emannuel Bento


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Pedro Vilela (à esquerda) e Otto (à direita), artistas de diferentes gerações que buscam inspiração em Reginaldo Rossi - DOUGLAS HENRIQUE, DIVULGAÇÃO E FELIPE SOUTO MAIOR/FUNDARPE  (Foto: )

Há 10 anos, o Brasil perdia um dos mais significativos cantores da música popular: Reginaldo Rossi (1944-2013). A sua figura, contudo, permanece viva no imaginário coletivo, seja pela estátua em área boêmia do Centro do Recife, pelo título de Patrono do Brega pela Assembleia Legislativa de Pernambuco, pela homenagem do Galo da Madrugada em 2024 ou por conta das suas movimentadas redes sociais (coordenadas pela família), que já acumulam cerca de 300 mil seguidores.

O seu legado destaca certa ressignificação da expressão "brega", antes pejorativa, e reforça a importância da performance na conquista do público. Quando um cantor de brega segura um microfone sob os holofotes, existe um pouco de Rossi ali. Essa potência, junto com às suas poéticas e temáticas, seguem inspirando artistas em atividade.

'Rei do Brega'

Nascido no Recife, Reginaldo Rossi iniciou a carreira inspirado pela Jovem Guarda e pelo "iê-iê-iê" dos Beatles, quando formou a banda The Silver Jets. Já em carreira solo nos anos 1970, a música romântica vai ganhando espaço em sua obra, quando, na década seguinte, consolida-se a estética mais próxima do que identificamos como "brega".

ACERVO BETO ROSSI

 

Contudo, a exemplo de outros cantores românticos (como Odair José), Rossi não gostava dessa pecha de brega, até que resolveu abraçar o título. "A expressão vai ser dada de forma pejorativa por quem tem o poder de dizer qual música é boa ou não. Ainda não tínhamos essa ideia do brega enquanto popular, emoções, romantismo e sexualidade", frisa o pesquisador Rafael Andrade, autor do livro "Centenas Casos de Amor: As performances do brega em Reginaldo Rossi".

"Rossi resolveu assumir esse estigma, como se dissesse que o brega não é ruim: 'Veja como o brega é bom, como ele é divertido e interessante'. Em algum momento ele assimila isso e passa ser autoaclamado 'Rei do Brega'. É uma coisa potente que ele faz, dizendo coisas como 'vem bregar comigo', 'quem não bregar ta morto'. O seu bom humor e sensibilidade ajudaram nisso."

Performance

Outro ponto marcante é a sua atuação no palco, como destaca Andrade. "Na virada dos anos 1990 para os anos 2000, ele lança gravações ao vivo que fazem sucesso e uma das coisas mais interessantes é a performance na hora de executar as músicas. Não necessariamente cumprindo o que as partituras pedem, mas fugindo delas. Ele brinca com a história da música, inventa histórias e brinca com a audiência que está ouvindo."

Em seus marcantes discursos em shows, Rossi chegava a tocar em certos tabus, sobretudo em relação aos papéis de gênero, como quando frisava que o homem traído não deveria ser violento e perdoar a mulher.

“Ele falou da sensibilidade e da fragilidade masculina. É quase um status quo o homem trair, mas ele questiona: ‘quando a mulher trai, você bate na mulher?’. Você tem que ir lá pedir para ela voltar, porque você ama ela. Esse tipo de acionamento é muito interessante porque ele anda na linha bamba", diz. "É muito difícil pensar na rega e o próprio Recife sem pensar em ‘gaia’, ele está muito nesse imaginário. O que veio antes, a gaia ou Reginaldo Rossi?."

Novas gerações

 

DIVULGAÇÃO
Pedro Vilela - DIVULGAÇÃO

 

O ‘Rei do Brega’ também segue inspirando novos artistas, a exemplo do recifense Pedro Vilela, 29, que integra a banda O Quartinho. Ele decidiu abraçar a música cafona dos anos 1970 e 1980 em sua carreira solo.

O cantor já lançou o EP “Tomando uma no Sereno” (2021), com quatro faixas, e o single “Não Posso Sonhar em te Perder” (2023) . Reginaldo Rossi foi a sua grande inspiração - o que fica nítido ao ouvir as músicas.

“O recifense é brega até que se prove o contrário. A gente vem escutando essas canções desde sempre. Quando comecei a pesquisar mais sobre música do Recife, ele já entrou no meu radar pelo expoente que é, sempre presente na paisagem sonora da cidade”, diz Vilela.

De acordo com o músico, dados das plataformas de streaming apontam que seu público é demasiadamente jovem, o que marca um novo interesse da juventude pela música cafona - geralmente vista como uma música antiga.

"A questão da data perde o sentido pois a internet corta alguns elos, tornando a música um elemento vivo entre a galera nova. Acho que isso tem aberto um leque para a iniciação com esse tipo de música, além do meu trabalho no TikTok: abordo bastante a música do Rossi lá e tem gente que gostou bastante das músicas do começo, menos conhecidas."

Revisitando Rossi

Artista já consolidado e com elos com o manguebeat, Otto começou a realizar um show com repertório de Reginaldo Rossi neste ano. O projeto “Otto canta Rossi” passou pelo Festival de Inverno de Garanhuns (FIG) e no Festival Usina da Arte, ambos no Agreste.

"Me identifico com o Rossi como pernambucano e brasileiro, da mesma forma como identificaria com o Bob Dylan. Foi um dos melhores shows que assisti na minha vida, quando tinha entre 14 e 16 anos”, diz Otto.

FELIPE SOUTO MAIOR/FUNDARPE

"Decidi fazer esse show há uns dois anos atrás, para movimentar a minha vida e carreira, sem nem pensar nesse gancho dos 10 anos. Fiz uma imersão na obra dele, ouvi muito. Em uma noite, ouvi umas 80 músicas, tomei uns drinks sozinhos e perguntei: 'Reginaldo, posso fazer isso?'. E é como se ele tivesse dito: 'vá, vá, Otto, faça'. Da mesma forma que Beethoven falou com ele em 'O Gênio Cabeludo'", brinca.

O show é composto por oito músicos e mais três convidados. Os arranjos usados são os mesmos dos discos. "Eu não precisei mudar nenhum tom de voz meu. O meu tom é o tom dele. Eu canto nessa região do Reginaldo. Para o figurino, chamei o Eduardo Ferreira, com cenário do Derlon, artista pernambucano", explica Otto.

"É um show muito caprichado porque eu queria mostrar o Rei. O Reginaldo que eu conheço é o Rei da Música. Acho ele rock n’ roll, é Rolling Stone, é Beatles, é música francesa. Ele tinha um bom gosto musical muito grande. Eu queria mostrar o Reginaldo que sempre vi. Um cara atual, de grandes músicas, um intérprete maravilhoso e um showman incrível."

Fonte inesgotável para o brega

No brega pernambucano, Rossi segue sendo uma referência no uso da linguagem e das temáticas, opina Palas Pinhos, fundadora das bandas Ovelha Negra e Amigas do Brega. "O Auge hoje é cachaça, boteco e gaia. Ele já falava disso lá atrás", diz a cantora. 

 

Gabi Oliveira/Divulgação
A banda pernambucana 'Amigas do Brega' - Gabi Oliveira/Divulgação

 

O grupo Amigas do Brega, ainda no seu início, em 2018, sempre cantava "Em Plena Lua de Mel", sucesso na voz de Reginaldo, na abertura de shows. "Eu sempre trago alguma coisa dele. Além da musicalidade, procuro trazer toda aquela intimidade que ele criou com os fãs, uma relação intimista. Ele é uma referência no comportamento", diz Palas.

"Reginaldo Rossi é uma referência musical na minha vida, logo quando comecei a ter os primeiros contatos com a música com o pai, que era boêmio e tocava violão. Essa é a minha base", explica.

Apesar dessa onipresença do Rei do Brega, Palas acredita que as novas gerações do brega não são tão próximas de Rossi. "Mas, cabe a nós que vivemos tudo isso manter viva essa história e fazer com que a nova geração conheça todo esse legado. Já temos até um dia dedicado a ele", diz, em referência, ao Dia do Brega, instituído em 14 de fevereiro em homenagem ao eterno Rei do Brega.




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