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Abandonado, Casarão da Várzea vira banheiro público e desperdiça potencial urbano e cultural

Chalé é considerado um Imóvel Especial de Preservação (IEP) e pertence à Prefeitura do Recife, que segue sem dar a ele o tratamento que a lei obriga mesmo após determinação judicial

Publicada em 29/09/2023 às 10:59h - 46 visualizações

por Katarina Moraes


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Casarão da Várzea está fora dos padrões de segurança e habitabilidade, segundo relatório da Defesa Civil - JAILTON JR./JC IMAGEM  (Foto: )

De dia, as ruínas do Casarão da Várzea assistem às feiras livres tomarem conta das ruas do Centro do bairro. À noite, vê bares e comedorias abrirem, atraindo centenas de jovens. Em meio a toda essa efervescência urbana, econômica e cultural na Zona Oeste da cidade, restou ao imóvel histórico que, por lei, deveria ser preservado pela Prefeitura do Recife, a função de ser um grande banheiro público.

O entra-e-sai dos que usam o quintal do imóvel de número 130 da Rua Azeredo Coutinho com essa finalidade é constante. Mais que pela falta de opção, são atraídos pelo abandono do espaço, sem uso há pelo menos três décadas. E mais. Virou também ponto de consumo e repasse de drogas, segundo os moradores das redondezas. “Só tem droga e prostituição”, disse o comerciante Maciel do Nascimento, de 42 anos.

JAILTON JR./JC IMAGEM

Nele, os únicos resquícios de vida são as raízes que tomam conta de suas paredes e teto centenários e dois cavalos ali guardados como um estábulo. O mato não aparado há meses é coberto por pilhas de lixo: latas de cerveja, metralha, restos de comida, plástico, vidros e até mesmo um pacote aberto de preservativo foram encontrados pela reportagem do JC.

Parte do muro que dividia o casarão de uma das ruas ao redor já desabou. O antigo chão de madeira não existe mais, assim como o que um dia já foram as janelas e portas do chalé. Constantemente, acumula água parada, trazendo riscos para a população vizinha. Nos relatórios da Defesa Civil, consta que não está conservado dentro dos padrões de segurança.

O estado do imóvel indigna. Foi só a reportagem chegar para moradores e comerciantes se aproximarem para cobrar mudanças. "Deveria recuperar, porque é um patrimônio. É lindo", disse a socióloga Josinete Marinho, de 70 anos. "Podia fazer algo que as idosas pudessem vir e passar uma tarde, porque não temos um espaço para ficar conversando", sugeriu.

JOSYNETE MARINHO, 70, SOCIOLOGA

“A arquitetura é bela, mas está mal tratado", opinou a aposentada Tânia Guimarães, 66. "Foram saqueando tudo. Na minha opinião, devia ser um mercado. Ajudaria o pessoal daqui a botar suas coisinhas. Aqui é muito desprovido, só tem mercadinhos e essa feirinha. Não é como um Mercado de Afogados e da Madalena, que têm tudo”.

O Casarão se tornou um Imóvel Especial de Preservação (IEP) em 2015 pela sua importância arquitetônica, já que é considerado o único exemplar de chalé romântico de influência inglesa com dois pavimentos na cidade. A classificação impede a demolição e alterações de suas características originais, além de obrigar o proprietário - neste caso, a Prefeitura - a conservá-lo.

Além disso, ele integra o Setor de Preservação Ambiental (SPA) da Zona Especial de Preservação Histórico-Cultural da Várzea e está no Setor de Sustentabilidade Ambiental (SSA) do entorno da Praça Pinto Damásio.

O arqueólogo Eduardo de Freitas Muniz, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), diagnosticou o prédio e mostrou que a restauração dele é possível. Segundo o estudo, a maior parte dos danos foi provocada justamente pelo abandono e pouca coisa precisa ser de fato reconstruída - a necessidade maior está nos cômodos do primeiro andar, cujo piso despencou.

Mesmo assim, até hoje não tiveram sucesso os diversos protestos, assembleias populares e até mesmo ações civis públicas que pressionam o poder público a requalificá-lo.

JUSTIÇA OBRIGOU PREFEITURA A REFORMÁ-LO

Em dezembro de 2020, a Justiça acatou um pedido do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e determinou que a Prefeitura do Recife promovesse a restauração do edifício. Para isso, a gestão deveria elaborar um projeto específico para tal em 120 dias e finalizar as obras em 2 anos - ou seja, em dezembro de 2023.

Até hoje, contudo, os estudos sequer foram finalizados. Por nota, o município informou que "atualmente, a gestão está na fase de tratativas para a contratação de um projeto para o local." Questionados, o MPPE e o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) não responderam sobre as atualizações do processo, como pedido pelo JC

Em 2016, o então prefeito Geraldo Julio (PSB) prometeu que ele seria transformado em um mercado público. As obras começaram com a destruição da caixa d’água que fica no quintal da casa, uma espécie de torre. A derrubada causou indignação da comunidade, que conseguiu suspender os serviços.

JAILTON JR./JC IMAGEM

“A Prefeitura veio com um projeto um mês antes da eleição que não foi participativo e que não visava nenhum recurso real para o casarão”, explicou o produtor multimídia Well Carlos, 36, um dos organizadores do movimento Salve o Casarão. “Seria um galpão de feira dentro no terreno. Era irresponsável. Porque podia cair parte do prédio em alguém que estivesse fazendo a feira”, pontuou.

O Salve o Casarão nasceu neste mesmo ano e, desde então, promove ações culturais para dar visibilidade à causa. Em 2020, fez um projeto arquitetônico para reformá-lo. No espaço, prevê um estúdio para a rádio comunitária Magitot, um museu, salas de estudo e administrativas do prédio. No entorno, um mercado público cultural para abrigar os feirantes, que hoje estão nas calçadas.

Ainda em 2008, a arquiteta e professora da UFPE, Terezinha Pereira, com o apoio da Prefeitura do Recife e dos alunos do curso de Arquitetura, também elaborou um projeto de restauração para ele. 

Mas hoje, setembro de 2023, a estrutura segue em decadência, estado explicado pelos lambe-lambes colados nas paredes: “a cidade é o que você faz dela”.

CONHEÇA A HISTÓRIA DO CASARÃO DA VÁRZEA

Não há informações sobre quem construiu o casarão, mas ele foi inaugurado em maio de 1905 para fins residenciais com o nome de Villa Therezinha. Só na década de 1950 foi ocupado pelo Hospital Magitot, o primeiro hospital odontológico da América Latina, que funcionou até a morte do fundador, na década de 1960. Chegou a abrigar o comitê de campanha do então candidato a governador de Pernambuco Miguel Arraes em 1986.

Em 1992, sobreviveu a um incêndio, que comprometeu as estruturas do prédio, que teve boa parte das vigas de madeira queimadas, assim como a cobertura, as esquadrias e o piso de madeira. Depois disso, passou a ser ocupado por uma família em vulnerabilidade, que lá viveu até 2013, quando a Prefeitura do Recife os retirou do imóvel, após tê-lo desapropriado.

Tornou-se um IEP em 21 de maio de 2015. Pouco mais de um ano depois, em setembro de 2016, a Prefeitura interditou o local, colocou uma placa de obra apenas da feira livre, que foi suspensa no mesmo mês após pressão do movimento recém-nascido Salve o Casarão, que denunciava demolições da caixa d’água do imóvel.

Em dezembro de 2020, a juíza de Direito da 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital, Ana Paula Costa de Almeida, determinou que a Prefeitura do Recife restaure o edifício, elaborando um projeto específico para tal. Ação foi pedido do MPPE.




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