O mesmo governo de Pernambuco que acaba de enviar para o legislativo um pacote de medidas que estimulam o uso do carro e da motocicleta - propondo a isenção do IPVA para mototaxistas e a redução do tributo para toda a frota de veículos de Pernambuco, que compreende 3,5 milhões de unidades -, está reduzindo a frota de ônibus da Região Metropolitana do Recife.
Desde o início de 2023, já são 200 coletivos a menos para atender aos mais de 2 milhões de passageiros que usam o Sistema de Transporte Público de Passageiros da RMR (STPP). Se o comparativo for em relação a 2019, antes da pandemia de covid-19, são 300 ônibus a menos, o que amplia os intervalos e faz com que os veículos circulem cada vez mais cheios, gerando ainda mais desconforto para os passageiros.
As reduções estão sendo feitas a partir das programações de férias, quando todo passageiro sabe que há uma redução dos coletivos nas ruas. Mas, historicamente, essa redução era recomposta com o fim das férias. Não está sendo mais. Desde janeiro, com a nova gestão da governadora Raquel Lyra (PSDB), a recomposição da frota deixou de ser integral.
Em novembro de 2019, o sistema operava com uma frota de 2.459 coletivos no Grande Recife. Em novembro de 2022, eram 2.326. E, agora, em agosto de 2023, estão em operação apenas 2.132.
A Coluna Mobilidade tentou conversar com o Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM), órgão estadual gestor do sistema de ônibus na RMR, mas não obteve retorno até agora. O que se sabe, extraoficialmente, é que a redução está sendo feita para diminuir a quantia de subsídio público que o governo do Estado vem injetando no sistema, ano a ano, e que está estimada em R$ 400 milhões para 2023.
A solução de redução, inclusive, tem sido provocada porque o Estado busca equilibrar a conta entre receita e despesa do sistema. Essa conta não fecha desde a crise sanitária de covid-19 porque o número de passageiros segue em 80% do pré-pandemia.
O que o setor operacional define como redução, o governo de Pernambuco estaria chamando de otimização do serviço, já que as empresas passaram a receber pelo custo e, não mais, pelo passageiro transportado. A mudança aconteceu em 2020, no auge da pandemia de covid-19 e para garantir que a frota de ônibus fosse bem superior à demanda de passageiros por respeito às regras sanitárias.
Só que, nessa briga entre gestor operacional e operadores do transporte público, quem paga a conta é o passageiro. Nas ruas, a população tem sentido na pele a redução da frota e as consequências que ela provoca na qualidade do transporte.
“Não posso dizer quanto, mas sem dúvida está evidente que os ônibus diminuíram. A redução na pandemia foi grande e não voltou a ser o que era antes. A lotação está muito grande, principalmente nas linhas que saem de terminais. Chegamos no trabalho ou em casa cansados, suados e frustrados”, relata a diarista Maria Aparecida Lins, que todos os dias sai de Paulista, no Grande Recife, e enfrenta o TI Macaxeira, na Zona Norte do Recife, para chegar no centro da capital.
Mesmo quem não utiliza os TIs também tem sentido que há menos ônibus em circulação. “Sempre peguei ônibus entre 9h e 9h30 e, mesmo sabendo que é um horário fora do pico, não esperava tanto quanto agora. É visível que a cada dia tiram mais e mais ônibus das ruas e o passageiro que sofra pagando uma passagem cara e esperando mais pelo coletivo”, lamentou o estudante universitário Paulo José Silva, que vai todos os dias de Piedade, na Zona Sul do Recife, para a UFPE, na Zona Oeste da capital.
Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre mobilidade e trabalho, divulgada nesta terça-feira (22/8), revelou que 36% dos brasileiros (ou seja, mais de um terço da população) que vivem em grandes cidades passam mais de 1 hora no trânsito diariamente.
E uma parcela dos brasileiros (8%) - acreditem - gasta mais de 3 horas se locomovendo para realizar atividades de rotina, como trabalhar e estudar. Os dados não param por aí: a pesquisa inédita da CNI apontou, ainda, que 7% ficam entre 2 e 3 horas por dia no trânsito e 21% entre 1 e 2 horas.
Entre as razões para o aumento do tempo perdido no trânsito estaria, segundo os entrevistados, a redução da oferta do transporte público - o que parece ser um contrassenso diante da motorização das cidades. Pelo menos 23% das pessoas ouvidas pela CNI apontaram a redução das linhas de ônibus durante e depois da pandemia como a explicação para estar perdendo mais tempo em seus deslocamentos.