Sob a ótica da mobilidade urbana sustentável e da discussão mundial de desestímulo ao transporte individual como uma das principais ações no combate à crise climática, o gesto do governo de Pernambuco de reduzir a alíquota do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para os automóveis e isentar as motocicletas usadas para o transporte remunerado de passageiros é um retrocesso. Um tiro no pé da mobilidade urbana sustentável, é preciso repetir.
Politicamente, o gesto da governadora Raquel Lyra (PSDB) e da sua equipe da Secretaria da Fazenda vai ajudar a nova gestão estadual, que anda sendo bastante criticada e com avaliações ruins, como mostrou a pesquisa da Veritá, que colocou a governadora em último lugar entre outros gestores estaduais. A pesquisa indicou uma reprovação de 60,8% e uma aprovação de 39,2%, depois dos seis primeiros meses no Palácio do Campo das Princesas. Assim, a proposta vai agradar a muita gente, sem dúvida.
Mas, para as cidades e, principalmente, para o transporte coletivo - que no caso de Pernambuco é gerido e subsidiado pelo mesmo Estado quando a demanda de passageiros cai - será mais um golpe. Não se iluda. A população vai se sentir ainda mais estimulada a comprar carros e motocicletas. E, entre os compradores de motos, muitos ainda irão pensar em fazer o transporte remunerado de passageiros - seja como mototaxista ou Uber e 99 Moto - para aproveitar a isenção.
O exemplo dado pelo próprio governo de Pernambuco no material de divulgação do chamado Programa Descomplica PE, confirma a dimensão do estímulo: o dono de um carro popular no valor aproximado de R$ 70 mil passará a pagar R$ 1.680 em 2024 (com a alíquota reduzida para 2,4%), enquanto que, em 2023, ele pagou um IPVA de R$ 2.100 (alíquota de 3%).
É estimulante, concorda?
E é preciso considerar que, se vingar - o que é praticamente certo de acontecer quando chegar à Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) -, a redução do IPVA vai beneficiar praticamente toda a frota de veículos de Pernambuco.
A expectativa do próprio Estado é atingir diretamente 3,1 milhões de veículos. Pernambuco tem, atualmente, 3.447 veículos registrados no Detran-PE. Para sorte da mobilidade urbana, a isenção do IPVA para as motos deverá alcançar aproximadamente 22 mil motocicletas, um percentual bem abaixo da frota de duas rodas registrada no Estado, atualmente de 1.372 milhão.
É claro que existe o aspecto político, econômico e social do gesto da governadora, e ele não pode ser negado. Mas, a mobilidade de Pernambuco e de todo o Brasil não suporta mais esses gestos que priorizam o transporte individual.
IPVA: acredite, a MOBILIDADE fica de fora dos INVESTIMENTOS do IPVA
Foto: Pedro França / Agência Senado
Motocicletas, mesmo respondendo por mais de 50% dos sinistros e mutilações no trânsito, serão isentas do IPVA quando usadas por mototaxistas - Foto: Pedro França / Agência Senado
Principalmente porque eles quase sempre não são feitos para o transporte coletivo. Pernambuco, por exemplo, vive essa realidade. Qual projeto o governo do Estado anunciou para o transporte coletivo?
Mesmo após 8 meses de governo? Nenhum.
E, quando olhamos para a situação do transporte coletivo, com uma queda de demanda de passageiros abissal, é que percebemos que esse gesto do IPVA é ainda mais retrógrado para as exigências climáticas do mundo atual. É limitante, pensada por quem, de fato, só usa o automóvel. E nunca ou há muito, muito tempo, não entra em um ônibus ou em um metrô.
Levantamento recente, apresentado durante o Seminário NTU 2023, realizado nos dias 8 e 9/8, em Brasília, mostrou que, entre 2019 e 2022, o sistema de ônibus urbano registrou queda de 24,4% na demanda de passageiros. Ou seja, isso significa dizer que deixaram de ser realizados quase 8 milhões de deslocamentos de pessoas por dia, em média, no período.
E programas de isenção de IPVA só ampliam esse abismo. É fato.
Em maio, quando Lula lançou o pacote de estímulo à compra de carros, colocando R$ 800 milhões apenas para a compra de automóveis, as críticas foram pesadas e feitas por gente séria, que defende a urgência de priorizar a mobilidade urbana sustentável diante da crise climática mundial. Os resultados do pacote, inclusive, foram pífios para a expectativa do próprio governo federal.
Agora, é a vez de Pernambuco criar um pacote de estímulo ao uso do carro para chamar de seu. Mas, como já dissemos, sob a ótica da mobilidade urbana sustentável, o gesto do Estado é lamentável.