Se conselho fosse bom, ninguém dava, vendia. Já ouviu muito essa frase, não é? Geralmente, ironicamente, ela precede um danado de um conselho: “se fosse bom, se vendia… mas deixe eu lhe aconselhar”.
O Conselho da República, criado na Constituição de 1988, só foi instalado em 1990, pela primeira vez. Note, se não notou ainda, que não estou falando do “Conselhão” criado ontem por Lula. Deste, falaremos a seguir.
O Conselho da República, cuja formação tem 14 titulares definidos no texto constitucional é outra coisa. Participam desse time de conselheiros o vice-presidente da República, o ministro da Justiça, o presidente da Câmara dos Deputados, o presidente do Senado Federal, o líder da maioria na Câmara dos Deputados, o líder da minoria na Câmara dos Deputados, o líder da maioria no Senado Federal, o líder da minoria no Senado Federal e mais seis cidadãos brasileiros natos escolhidos pelo presidente da República, pela Câmara e pelo Senado.
E, provando a frase sobre conselho ser algo dispensável, nestes 33 anos o Conselho da República foi convocado, oficialmente, uma única vez. Nem Collor que o instalou, nem Fernando Henrique Cardoso, nem Lula, nem Dilma Rousseff ou Bolsonaro quiseram ouvir seus conselheiros uma vez sequer.
Só em 2018, prestes a intervir na segurança do Rio de Janeiro, Michel Temer (MDB) anunciou uma convocação do grupo e os membros formaram o conselho ativamente. Orientaram Temer a mandar alguém tomar conta da Guanabara. E assim foi feito.
Temer é professor de Direito Constitucional e, de tanto ensinar sobre o artigo 89 da Constituição, deve ter sido seduzido pela chance de fazer História.
Em 2005, no meio do escândalo do Mensalão, Lula foi orientado a convocar o Conselho da República para acompanhar a crise, mas não o fez, lógico.
Em 2021, Bolsonaro chegou a dizer que iria convocar o Conselho, com o objetivo de mostrar a todos que "o povo o apoiava na rua e esse era o caminho que os brasileiros tinham que seguir". A justificativa era tão esdrúxula que boa parte dos membros desconversou. Ninguém queria “aconselhar” Bolsonaro naquele momento e o então vice-presidente Hamilton Mourão chegou a dizer que o presidente “havia se confundido quando falou em reunir o Conselho”.
Culpas no cartório e maluquices à parte, há muitos motivos para o Conselho da República ser um peso morto ou um “sujeito indesejado” relegado ao canto da sala. Os principais são políticos, claro. Existem situações que fazem com que não seja interessante discutir certos assuntos com o presidente da Câmara e com o presidente do Senado, ao mesmo tempo, por exemplo, ou ainda colocar líderes de minoria e maioria para discutir problemas com o presidente da República.
Agora, mesmo, se convocar o Conselho da República, Lula (PT) terá que sentar para ser aconselhado também pelo líder da minoria no Senado, que vem a ser Ciro Nogueira (PP), um dos maiores aliados de Bolsonaro (PL). E adivinhe quem é o líder da minoria na Câmara e que, convocado o Conselho, também iria aconselhar Lula: Eduardo Bolsonaro (PL).
A ideia democrática e republicana de dar voz à Situação e à Oposição entre os conselheiros do Presidente da República é louvável, mas não tem nenhuma base na realidade. Ainda mais quando se vive num ambiente político polarizado.
Quando inventa e instala o Conselho de Desenvolvimento Econômico, Social, Sustentável, apelidado de “Conselhão”, Lula está tentando criar um ambiente político possível para um grupo que tem o objetivo de aconselhar.
Mas, se o constitucional tem 14 membros titulares, só se reuniu uma vez em 33 anos e ainda conseguiu orientar o presidente Michel Temer. O Conselhão de Lula, com 246 membros, vai se reunir muito mais em bem menos tempo e não vai servir para absolutamente nada.
É difícil acreditar que qualquer reunião com 246 pessoas se transforme em alguma coisa prática. Qualquer reunião, para funcionar de verdade, tem que ter no máximo seis pessoas numa sala sem cadeiras, para ninguém sentar e tudo correr mais rápido.
O “Conselhão” de Lula, com todo o respeito aos muitos integrantes importantes, inteligentes e capazes no ofício de orientar um Presidente da República, é só um grande aglomerado de pequenas ações de marketing em setores diversos da sociedade.
Existem personalidades políticas e empresariais do agronegócio, membros do MST, gente do varejo e da indústria, dos transportes, do setor de tecnologia e até influenciadores de redes sociais. A inclusão de cada membro é um recado público direcionado sobre diversidade e inclusão na gestão.
De verdade? Só marketing.
Na prática, o resumo das reuniões, quando acontecerem no futuro, será um relatório no qual todos fingirão que falaram e Lula vai fingir que escutou.
Para o presidente é só mais um palanque para dizer o que quiser dizer, como fez ontem ao criticar o Banco Central. Para os integrantes, é só algo para colocar no currículo. Viva o Conselhão!