CASO SERRAMBI 20 ANOS: Saiba como vivem os kombeiros que foram acusados de matar Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão
Marcelo Lira nega acusações no Caso Serrambi e diz que foi perseguido pela polícia e humilhado
Publicada em 25/04/2023 às 09:40h - 264 visualizações
por Raphael Guerra
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Marcelo Lira, kombeiro do Caso Serrambi, ainda vive em Ipojuca - FOTO: GUGA MATOS/JC IMAGEM (Foto: )
Logo na entrada do distrito de Camela, no município de Ipojuca, a 52 km da capital pernambucana, a equipe do Jornal do Commercio perguntou a moradores pelos irmãos kombeiros Marcelo e Valfrido Lira. Todos foram unânimes em associá-los ao Caso Serrambi, que vai completar 20 anos no próximo dia 3 de maio.
Eles apontaram, rapidamente, para as casas de parentes dos irmãos que chegaram a ser réus pelas mortes das adolescentes Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão.
Na principal rua de Camela, vivem a sogra e a esposa de Valfrido. No momento em que a equipe chegou, na manhã de 14 de abril de 2023, apenas Maria Conceição da Silva, conhecida como Branca, estava em casa. A mulher do kombeiro havia saído para visitar uma filha do casal.
A senhora tímida e de voz pausada relatou que o genro estava preso há oito meses por uso de documento falso. “A polícia chegou e levou ele. Valfrido foi condenado por um processo antigo, que ele respondia”, disse.
Consta no processo que Valfrido utilizou uma carteira de habilitação falsa para trabalhar dirigindo uma kombi, entre abril de 1998 e 23 de julho de 2002, quando o documento foi cancelado por solicitação do Detran de Minas Gerais.
Impedido de dirigir, Valfrido teria adquirido outra carteira nacional de habilitação, por meio do Detran da Paraíba. Ele usou o documento até o dia em que foi preso preventivamente por suspeita de envolvimento na morte de Tarsila Gusmão e Maria Eduarda Dourado.
Desde então, o processo seguiu lentamente na Justiça e, no ano passado, transitou em julgado - quando foi determinada a prisão dele.
A sogra conta que, antes de ser preso pela condenação, a rotina de Valfrido era simples e que ele seguia trabalhando como motorista.
“Sempre trabalhou muito, vivia tranquilo com a esposa morando em um engenho aqui perto. Depois que ele foi preso, ela veio morar comigo para não ficar só”, relata Branca.
Familiares disseram que o kombeiro cumpre a pena no Centro de Observação e Triagem (Cotel), em Abreu e Lima. A Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres) não confirma.
KOMBEIRO DO CASO SERRAMBI DESABAFA: "INVESTIGARAM INOCENTES"
A reportagem seguiu para o bairro vizinho, Nossa Senhora do Ó, onde vive o outro irmão kombeiro, Marcelo Lira. Lá, também não foi difícil encontrar o endereço dele.
Bastaram três paradas para pedir informações, e a equipe já estava em frente à casa do homem absolvido em júri popular pelas mortes de Maria Eduarda e Tarsila Gusmão.
Marcelo vive com a esposa em uma casa de primeiro andar, colada à residência de outro parente. Mesmo surpreso, recebeu a equipe com um sorriso no rosto e disposto a relembrar o Caso Serrambi.
A conversa durou cerca de uma hora. Era perto de 11h e, por volta do meio-dia, Marcelo precisava voltar às ruas com a kombi para pegar passageiros que o aguardavam naquele horário.
Ele fez questão de contar que, nos últimos anos, após o júri popular que o absolveu, a vida dele melhorou. “Hoje tenho três ônibus, um micro-ônibus e duas kombis.”
Confira a entrevista com Marcelo Lira:
JC - O que o senhor recorda das investigações do Caso Serrambi?
MARCELO LIRA - Eles investigaram duas pessoas inocentes. O que eu posso dizer é que a polícia chegou até mim e ao meu irmão Valfrido por causa de um passado do meu irmão mais novo, Roberto.
No ano 2000, ele teria assassinado a esposa dele. Então, quando o Grupo de Operações Especiais passou pelo distrito de Camela, a avó da vítima abordou o pessoal e procurou saber o que eles estavam fazendo. O pessoal informou que tinham desaparecido duas jovens. Aí ela disse que talvez teria sido o irmão da pessoa que tinha assassinado a neta dela.
Então eu acredito que o Grupo de Operações Especiais veio direto para cima de mim e de Valfrido. O que acontece: tinha uma pessoa conhecida como Cocó na minha casa, um certo dia, e eu já tava marcado com ele para levar minha kombi para ele fazer a lanternagem e a pintura.
Acredito eu que na quarta ou na quinta-feira a gente subiu para a casa dele (no município de Cachoeirinha). Do domingo para segunda, eu já acordei na casa dele com o pessoal do GOE chamando na porta que “a casa tinha caído”.
Valfrido já estava dentro de um dos carros. E eu disse a ele (delegado) o seguinte: que ele estava no caminho errado. Aí ele até perguntou se tinha combinado eu e Valfrido, porque Valfrido já tinha dito a mesma coisa. Então me trouxeram. Quando chegou na cidade de Bezerros, eles pararam o carro e ameaçaram botar o saco na minha cabeça.
Eu disse a ele que poderia colocar o saco, poderia atirar na minha cabeça, mas eu não ia confessar uma coisa que eu não tinha feito. Eles me trouxeram nesse mesmo dia para o local do crime, me deixaram dentro do carro, subiram lá e pegaram as coisas que tinha na minha kombi, que era um pedaço de corda de nylon e um barbeador, e colocaram no local do crime.
Tiraram foto e tinham tirado foto também no meu carro para dizer que a mesma coisa que tinha na minha kombi tinham encontrado lá (na cena do crime), só que foi eles que plantaram. Só que esqueceram de um detalhe: no primeiro levantamento que a polícia tinha feito no local do crime, tinha tirado foto e não tinha essa corda de nylon, nem papel de bombom, nem barbeador.
JC - No dia 3 de maio de 2003, quando as meninas desapareceram, onde o senhor estava?
MARCELO - Não estava na região de Porto de Galinhas, até porque meu carro estava sem os bancos. Eu estava em casa nesse dia.
JC - O senhor afirma que nunca teve contato com as adolescentes Maria Eduarda e Tarsila Gusmão?
MARCELO - Não, de jeito nenhum. Se um dia as meninas tivessem entrado no meu carro, pode ter certeza de uma coisa: hoje elas estariam vivas, porque eu jamais na minha vida teria coragem de tirar a vida de alguém.
JC - Uma testemunha disse que viu o seu irmão no momento em que as adolescentes teriam entrado na kombi. Um retrato falado, inclusive, aponta para as características do Valfrido.
MARCELO - É mentira dela. Regivânia (a testemunha, então moradora de Porto de Galinhas) foi pressionada pelo pessoal do Grupo de Operações Especiais, na época, e falou essas coisas. Ou, talvez, ela nem falou isso. O pessoal que fez a simulação (reprodução simulada) descartou isso, porque eram 30 metros de distância e o local estava escuro. Não tinha condições nenhuma de ela reconhecer ninguém.
JC - Como foram os meses que o senhor e Valfrido passaram na prisão?
MARCELO - Foi muito difícil. É muito difícil passar pelo que eu passei. Eu não desejo nem para o meu pior inimigo, que eu nem tenho. Porque a pior coisa que tem no mundo é você pagar por uma coisa que você não deve. Todo tempo eu tinha minha consciência tranquila de que não fiz nada com ninguém. Tinha certeza de uma coisa: como o caso era muito era muito sério, eu tinha certeza que só sairia (da prisão) no júri.
JC - Como ficou a rotina do senhor após o júri popular que o absolveu das acusações?
MARCELO - A rotina não ficou nada fácil, porque não é fácil você começar do zero. Porém, eu sempre fui um cara tranquilo, sempre tive minha consciência tranquila, tanto eu como meu irmão. Continuei trabalhando e, graças a Deus, apareceram pessoas que só tentaram me ajudar, me deram oportunidade.
Comprei um carro e comecei a trabalhar. Hoje, graças a Deus, estou bem. Tudo que Deus prometeu, ele cumpriu. Eu consegui fazer minha casa, tenho meus carros para trabalhar e estou tranquilo.
JC - Houve um sentimento de perseguição durante todos aqueles anos de investigação até o júri popular?
MARCELO - Eu me senti perseguido pela polícia. Eu tenho minha consciência limpa de que a gente não fez nada com ninguém. Foi muita humilhação, tanto para mim quanto para minha família. Eu, hoje, não boto mais isso no meu pensamento.
Eu vivo tranquilo, porque se tem uma coisa que me ajuda é minha consciência. Eu boto minha cabeça no travesseiro e durmo tranquilo. Sempre dormi tranquilo. Mas a vida continua. Sigo trabalhando, adquiri minhas coisas, minha casa, e vida que segue.
MARCELO RESPONDE É RÉU EM OUTRO PROCESSO
Atualmente, Marcelo Lira é réu pelo crime de receptação qualificada. Ele foi preso em flagrante usando uma kombi roubada e com placas e chassi adulterados em 20 de outubro de 2015.
De acordo com a polícia, o kombeiro foi encontrado na PE-60, em Ipojuca, onde estava usando o veículo para fazer o transporte e lotação de passageiros.
Os policiais descobriram que a kombi havia sido roubada no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife. Na época, a Polícia Civil não apontou quem foi o responsável pelo roubo.
Marcelo chegou a passar três dias no Centro de Observação e Triagem (Cotel), em Abreu e Lima, mas teve a liberdade provisória concedida pela Justiça, mediante pagamento de fiança.
O processo pelo qual Marcelo responde ainda passará por audiência de instrução e julgamento, ou seja, testemunhas de acusação e defesa serão ouvidas, além do réu.
Por fim, haverá a apresentação das alegações finais do Ministério Público, responsável pela acusação, e da defesa do kombeiro. Só então o juiz poderá dar a sentença.
A pena para o crime de receptação qualificada pode chegar a oito anos de prisão, além de multa.
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