Uma crise de ansiedade atingiu, na sexta-feira (8), 26 alunos de uma escola estadual no Recife, que tiveram falta de ar, tremor e crise de choro, segundo o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Alguns fenômenos na psicologia podem ser desencadeados de forma coletiva, apontou o psicoterapeuta cognitivo-comportamental Igor Lemos, ouvido pelo g1 neste sábado (9).
"Não é só a questão da ansiedade, mas de alguns outros tipos de adoecimento. Um dos pontos é que o ser humano possui um caráter muito intenso a nível empático. Vamos pensar, inicialmente, como uma empatia coletiva. A dor que tenho pode ser compartilhada para o outro e a dor do outro também pode ser para mim compartilhada", afirmou o especialista, que é doutor em neuropsiquiatria.
O caso aconteceu na Escola de Referência em Ensino Médio (Erem) Ageu Magalhães, em Casa Amarela, na Zona Norte do Recife. O Samu informou que os estudantes apresentaram sudorese, saturação baixa e taquicardia, foram atendidos no local e não precisaram serem transferidos para hospitais.
De acordo com a Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco, os alunos estavam em semana de provas e, após o ocorrido, as duas últimas provas da sexta-feira (8) foram canceladas e serão remarcadas.
Samu informou que 26 alunos de escola estadual tiveram crise de ansiedade — Foto: Reprodução/WhatsApp
A crise de ansiedade desencadeou uma reação em cadeia que percorreu várias turmas da escola. Em poucos minutos, alunos de outras salas de aula começaram a gritar, e seus gritos podiam ser ouvidos pelos corredores, segundo estudantes que presenciaram o ocorrido. Igor Lemos explicou que existe o chamado adoecimento partilhado.
"Se uma pessoa está com a saúde mental em dia e acaba se relacionando com uma pessoa que tem um funcionamento muito desequilibrado, ela adoece junto porque o cérebro mimetiza. Porém, de maneira coletiva, num grau como foi na escola, não é tão comum", declarou Igor Lemos.
Ainda segundo o psicólogo, outro ponto relevante sobre esse caso é que pandemias trazem, historicamente, movimentos de grandes estresses.
"Nem sempre o corpo responde de forma imediata. Às vezes, são necessários meses, anos. Estamos em uma situação que ainda não acabou, em uma pandemia. São dois anos vivenciando isso. Hoje, a gente colhe reflexos. E, digo mais, a gente vai colher reflexos além, na frente ainda", disse o especialista.
Igor Lemos listou alguns danos que afetaram os alunos de escolas públicas por causa da suspensão das aulas presenciais para evitar o contágio da Covid-19.
"Eles tiveram afastamento das aulas, ensino remoto, dificuldade de compreensão. Quando você traz a pessoa de volta, gera um nível de estresse absurdo. Fora as cobranças, o aumento do desemprego, a questão da violência, movimentos políticos. O Enem, ano passado, teve o maior nível de evasão. E isso gera, sim, uma chance maior de ser um gatilho para gerar adoecimentos vinculados à ansiedade", afirmou.
Ansiedade
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que a ansiedade afeta 18,6 milhões de brasileiros. Ainda segundo a instituição, a Covid-19 contribuiu para que esses transtornos mentais se agravassem.
Os transtornos, que têm tratamento, ainda são encarados com desconfiança e julgamentos que desqualificam quem se queixa de sintomas de ansiedade e depressão.
Psicólogo Igor Lemos fala sobre a ansiedade — Foto: Reprodução/TV Globo
"Algumas pessoas acham que se resolve na base da porrada, mas a geração atual precisa de acolhimento. Essas pessoas buscam ajuda quando o sofrimento se torna insuportável, debilitante, estressante, uma bola de neve", contou Igor Lemos.
De acordo com o especialista, a população adolescente é pouco informada sobre o que é a ansiedade.
"A ansiedade é um tipo de sentimento que temos, um tipo de estado de humor que está atrelada a uma relação de efeito: de luta, fuga, paralisação. A ansiedade tem relação com pensamentos de preocupação. Então, a ansiedade ela é positiva porque ela nos previne e nos organiza em relação a vários campos em nossas vidas, mas, em excesso, pode ter efeito catastrófico", disse.
Para o psicólogo, a ansiedade pode ser uma boa emoção. "Todas as emoções têm um sentido para o nosso corpo. Elas são mensageiras de que alguma coisa entrou em desequilíbrio e que precisa de solução. Não é aquela ideia de que a ansiedade é negativa, de que a culpa é negativa ou de que a tristeza é negativa. Todas as emoções têm uma razão de existir", declarou.
Dicas para controlar a ansiedade
Igor Lemos explicou que o primeiro ponto para controlar a ansiedade é compreender a origem dela. "Óbvio que isso envolve processo terapêutico, que é mais profundo, para compreender a origem e tratar os pensamentos ansiosos como isso e não como verdades absolutas", afirmou.
O especialista falou que outras alternativas, como técnicas de relaxamentos, regulação emocional por meio da respiração diafragmática e automassagem, podem auxiliar na redução da ansiedade. "Também pode ser avaliado o uso de psicofármacos, com psiquiatra, para tratar transtornos de ansiedade mais predominantes", disse.
Ainda de acordo com ele, algumas pessoas vão desenvolver, durante a vida inteira, um nível de ansiedade mais elevado. "A ansiedade conversa, intimamente, com a questão biológica, genética. Felicidade, ansiedade, tristeza têm carga genética forte, base de herdabilidade", contou o psicólogo.