Antes lotadas de turistas, as ruas se transformaram em caminhos vazios. O comércio viu os clientes sumirem. As marcas de vandalismo e o clima de medo são percebidos por quem chega à praia de Porto de Galinhas, em Ipojuca, no litoral sul de Pernambuco.
O balneário mudou drasticamente na última semana, após a morte de uma menina de seis anos durante uma ação da Polícia Militar. Por três dias, o que se viu na praia foi um cenário de guerra.
O que parecia estar sob controle na vila onde fica Porto de Galinhas tomou grandes proporções quando Heloísa Gabrielle levou um tiro no peito, enquanto brincava na frente da casa da avó. A Polícia Militar de Pernambuco disse que PMs perseguiam um suspeito de tráfico de drogas quando foi iniciada uma troca de tiros na última quarta-feira (30). A criança morreu.
Sua família mora na comunidade das Salinas, área periférica de Porto. Parentes e vizinhos afirmam que o tiro que matou a garota saiu da arma de um PM. Alegam que não houve confronto entre a polícia e traficantes. O tráfico e a disputa para comandá-lo têm ocupado cada vez mais espaço na praia.
O dia de maior desespero foi quinta-feira (31). Todos os acessos para a chegada e a saída do local foram fechados. Carros e ônibus foram incendiados. Quem estava em hotéis e pousadas foi orientado a ficar dentro do quarto.
Houve relatos em redes sociais de pessoas que estavam fazendo barricadas com móveis para evitar possíveis invasões. Muita gente ficou com fome porque também não conseguiu sair para comer na rua ou comprar alimentos, devido ao fechamento de todo comércio, imposto pelos traficantes.
Donos de pousadas relataram prejuízos. Turistas cancelaram hospedagens. Numa pousada do centro, alguns hóspedes que passariam uma semana ali decidiram encerrar a estadia.
"A rua da pousada ficou muito suja também, porque o lixo foi espalhado durante as manifestações. Os hóspedes que permaneceram em Porto ficaram dentro da pousada e tivemos de preparar reforço na cozinha para a alimentação deles", contou a gerente Andreza Melo.
O casal Jânio José de Oliveira e Marisa Batista de Oliveira foi cauteloso antes de seguir para o final de semana de descanso. "Vimos na televisão o que estava acontecendo. Nossa chegada estava prevista para o sábado. Na quinta e na sexta-feira, telefonei para a pousada perguntando como estava a situação e vi que houve um reforço policial. Por isso viemos", revelou Jânio, que vive no Cabo de Santo Agostinho.
No último fim de semana, quando a reportagem de TAB esteve em Porto de Galinhas, a vida parecia estar voltando ao normal — um normal bem policiado. Um reforço de 250 agentes, entre civis e militares, foi enviado pelo governo do estado na sexta-feira (1) para garantir a segurança no balneário.
No sábado, o helicóptero da Secretaria de Defesa Social sobrevoou ruas e a linha beira-mar. Guardas municipais de Ipojuca também foram para as ruas. Toda a área de comércio e pontos do centro da cidade estão sendo monitorados por câmeras de segurança.
O casal Jânio José de Oliveira e Marisa Batista de Oliveira, em visita a Porto de Galinhas no sábado (2) Imagem: Wagner Oliveira/UOL.
Criminosos desafiam polícia Os protestos e atos de vandalismo da semana passada não foram os primeiros e podem estar longe de serem os últimos. Facções criminosas que atuam no litoral sul pernambucano ampliaram o tráfico de drogas e o número de homicídios na região.
No dia 18 de março, um ônibus que fazia a linha Recife/Porto de Galinhas foi incendiado por criminosos quando chegava ao balneário. A polícia afirmou que o ato foi ordenado após a morte de três suspeitos de tráfico de drogas em confronto com policiais militares e pela prisão, dias antes, de um dos líderes da facção criminosa.
Como a morte de Heloísa aconteceu durante uma ação da PM na comunidade, as manifestações foram realizadas com pedidos de justiça e pela saída dos policiais do Batalhão de Operações Especiais da localidade.
"A população carente de Porto precisa dos traficantes para muita coisa. O dinheiro do tráfico alimenta as famílias que passam fome e compra remédio para quem está doente. Não existe assalto aqui em Porto de Galinhas porque os traficantes não deixam isso acontecer. Por esse motivo, os nativos pedem para que os policiais deixem de fazer as rondas e abordagens nos locais do tráfico", disse uma veranista.
Os áudios que circulam em grupos de aplicativos de mensagens ordenando o fechamento do comércio após a morte da criança partiram de traficantes. Ameaçavam saquear os comerciantes que insistissem em abrir.
Os traficantes também querem o BOPE fora da área de Porto de Galinhas. O secretário estadual de Defesa Social, Humberto Freire, disse que o batalhão especializado não deixará a localidade. "Estamos trabalhando para acabar com o tráfico de drogas em Porto de Galinhas e o BOPE não sairá de lá. Pelo contrário, será fortalecido", destacou Freire.
Em rondas realizadas no domingo (3) na comunidade das Salinas, a Polícia Militar prendeu um homem. Com ele, apreendeu munições e drogas. O suspeito estava com cocaína, pedras de crack e maconha. O homem também tinha munições de pistola 9 mm e uma caixa de pistola do mesmo calibre. A arma não foi localizada.
Rua da Esperança, onde se concentra o comércio de Porto de Galinhas (PE) Imagem: Wagner Oliveira/UOL .
Placas de luto e pouco movimento
A Rua da Esperança, também conhecida como a rua do comércio, teve um grande prejuízo nos últimos dias. Bares, farmácias, lanchonetes, restaurantes, lojas de roupas, sorveterias, mercadinhos, perfumarias e todos os outros pontos comerciais ficaram fechados da noite da quarta-feira até o início da noite da sexta-feira, quando o reforço policial chegou a Porto de Galinhas.
Nas portas dos estabelecimentos, cartazes colados pediam justiça por Heloísa e destacavam que estavam de luto pela morte da menina. Localizado na Rua das Sombrinhas, o bar onde o garçom Robson Batista trabalha também teve movimento fraco no final de semana.
"Em um sábado de sol quente como esse, já teríamos clientes em nossas mesas. Mas, além de estarmos na baixa temporada, os últimos acontecimentos deixaram o movimento fraco", resumiu. A paróquia de Nossa Senhora do Desterro, também na rua principal de Porto, fechou as portas por dois dias. As missas foram retomadas no sábado.
O pai de Heloísa trabalha como barqueiro. Em entrevista à TV Guararapes/Record, falou sobre a ação da PM que resultou na morte da filha. "Nunca imaginei que eles chegariam aqui atirando, pois é uma praça onde tem muita criança brincando. Não houve troca de tiros. A polícia é que chegou atirando e um disparo matou a minha filha", afirmou Wendel Fernandes.
Sua mãe, Gleice Anne Rodrigues, pediu a prisão dos culpados. "Eu queria minha filha aqui de volta. Eu só tinha ela. Quero justiça", declarou na entrevista que concedeu, abraçada à boneca da filha.
Imagem: Wagner Oliveira/UOL
Praia de belezas e problemas
A Praia de Porto de Galinhas é famosa pela beleza. O boom turístico na localidade começou a partir da década de 1990. Também é uma área procurada por surfistas, assim como a praia vizinha, Maracaípe.
Mas tanta beleza e atrativos precisam de cuidados. O governador Paulo Câmara anunciou no final de semana a instalação de um Centro de Comando e Controle Avançado. O equipamento vai funcionar dentro da Secretaria de Defesa Social de Ipojuca. "Em parceria com a prefeitura, vamos garantir mais esse reforço. O efetivo permanece na cidade e agora com a ajuda das câmeras de monitoramento, que nos possibilitará dar uma resposta ainda mais rápida", declarou Câmara.
As pessoas que estavam portando armas nos protestos estão sendo procuradas. "Estamos atuando na identificação dos suspeitos e não vamos permitir que traficantes se aproveitem da morte de uma criança para jogar a população contra a polícia", disse o secretário de Defesa Social do estado, Humberto Freire.
A morte da criança está sendo investigada pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa e um inquérito militar também foi aberto.